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São Paulo – A empolgação dos índios em perpetuar sua tradição musical em CD pode ser medida pelo tamanho do esforço gasto – as gravações ocorreram em um estúdio de televisão desativado, em Macapá, capital do Amapá, mas a maioria vive a quilômetros de distância. Marlui Miranda lembra da verdadeira odisséia vivida por um deles, Paxinã Poty Apalaí, que começou a viagem por barco até que o motor quebrou em uma pedra. Sem assistência por perto, ele e o filho foram obrigados a remar três dias contra a correnteza do Rio Paru do Leste.

Chegaram no momento exato à aldeia Pururé, pois o pequeno avião que os transportaria, cansado de esperar, já se preparava para levantar vôo. Daí foram três horas de floresta contínua, que Paxinã identificava com facilidade ao observar o desenho sinuoso dos rios. Ao desembarcar em Macapá, onde Marlui os esperava, Paxinã tocou um instrumento chamado purupuru ruweny marcando o encontro dos amigos. "Nossa primeira tentativa de participar da música apalaí foi justamente com esse purupuru ruweny, pois há algo em comum entre esse casco de tracajá e um violino: são instrumentos que soam por fricção", lembra Marlui.

Outro momento importante foi a integração dos índios com os estudantes de música clássica, com quem os índios se apresentam em São Paulo de sexta a domingo. Os estudantes aprenderam a tocar os instrumentos dos índios e passaram a utilizar o violino da mesma forma que seus novos colegas, tocando o arco de forma a imitar o som do casco do jabuti.

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"Assim como os meninos da escola não conheciam a música dos índios, estes nunca haviam ouvido ou visto uma orquestra e conhecido seus instrumentos, muito menos um estúdio de gravação daquele porte", explica Marlui, que colocou a música indígena como prioridade ao montar o programa, seguida do breve repertório clássico formado por Mozart e Verdi. Os mais velhos, lembra a compositora, não se intimidaram com a parafernália e queriam sempre gravar mais e ouvir bem alto o que haviam cantado.

"Para os índios, a música é também a voz dos espíritos, das aves míticas e dos seres sobrenaturais que, antigamente, de acordo com a filosofia indígena, eram ?gente como nós?, escreve a pesquisadora Lux Vidal, autora de um dos textos que figuram no volume Ponte entre Povos. Daí a importância da flauta de madeira, considerada objeto sagrado e apontada como a única a falar a língua dos deuses para os humanos. "E essa fala soa como música??, comenta Lux.

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Segundo ela, as canções e os instrumentos musicais serviam também como forma de entendimento. Um exemplo: antigamente, os palicurs guerreavam com os galibis, cuja linguagem não entendiam. Os dois povos, no entanto, conseguiam se comunicar por meio de uma flauta de osso de veado, cujos sons convencionais eram compartilhados e compreensíveis pelos dois lados.