Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) costumava dizer que, se cometesse um crime, bastava sumir e reaparecer 10 anos depois, que o crime haveria prescrito. Mas que, em relação ao poema “No Meio do Caminho”, escrito em 1924, podiam se passar 50 anos e ele nunca deixaria de ser julgado. Tal noção o levou, ao longo de toda a vida, a recortar e guardar cada crítica, comentário e charge feitos sobre os versos “No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho…”, publicados na Revista de Antropofagia, em 1928, e, 2 anos depois, incluídos em seu livro de estreia, “Alguma Poesia”.
O resultado desse esforço de compilação, o poeta mineiro trouxe a público em 1967, ao lançar “Uma Pedra no Meio do Caminho – Biografia de Um Poema”, uma resposta irônica, às vésperas dos 40 anos daquela primeira publicação. O livro que o Instituto Moreira Salles lança hoje, no Rio, em homenagem aos 80 anos de “Alguma Poesia”, é uma edição ampliada da “Uma Pedra no Meio do Caminho – Biografia de Um Poema”. O trabalho ficou a cargo do poeta Eucanaã Ferraz, que contou com a ajuda de Drummond para a nova edição – mesmo depois de publicar a biografia, o poeta continuou a arquivar a crítica relativa a “No Meio do Caminho” – e incluiu, ao final, uma “biografia da biografia”, com as resenhas sobre o título de 1967.
“Drummond guardou muita coisa que saiu sobre ele, em pastas, por assunto ou pelo sobrenome do crítico”, diz Ferraz, destacando a consciência do poeta, que trabalhou por muitos anos no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), sobre a importância da preservação da memória. “A diferença, no que diz respeito a No Meio do Caminho, é que ele arquivou tudo não sobre o livro que o continha, mas sobre aquele poema”. Ferraz destaca que, embora não tenha escrito uma linha da biografia – o prefácio ficou a cargo do português Arnaldo Saraiva -, Drummond fez sua leitura sobre as críticas, ao separá-las em capítulos com títulos como Muita Gente Irritada, Das Incompreensões e Popularidade.
Crítica – O poema “No Meio do Caminho” não repercutiu ao ser publicado na Revista da Antropofagia nem ao sair em livro – neste segundo momento, lembra Ferraz, os versos acabaram eclipsados pelo “Poema de Sete Faces”, considerado, à época, sem pé nem cabeça. Em 1934, quando Drummond assumiu o cargo de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde Pública, os primeiros críticos passaram a usar o poema da pedra contra o autor.
Considerados pobres e repetitivos (“O sr. Drummond é difícil. Por mais que esprema o cérebro, não sai nada. Vê uma pedra no meio do caminho e fica repetindo a coisa, feito papagaio”, escreve Gondin da Fonseca, em 1938), rejeitados por “brasileirismo grosseiro, erro crasso de português” (conforme crítica da Folha da Manhã, em 1942, pelo uso do popular “tinha” no lugar do correto “havia”), os versos facilitaram a vida dos críticos do modernismo. A discussão incomodava ao poeta. Mas ele percebeu que, graças a ela, tinha um livro sobre “como uma obra de arte sai do seu universo e ganha dimensão social”, como descreve Eucanaã Ferraz. “Não adiantou Drummond dizer que isso não era digno de tanta atenção. Oitenta anos depois, ainda estamos falando sobre o tema”, diz Ferraz. As informações são do Jornal da Tarde.