São Paulo
– A animação Planeta do Tesouro, a outra estréia de hoje nos cinemas, é uma versão futurista do clássico de Robert Louis Stevenson A Ilha do Tesouro. Transportada para um futuro indeterminado, a trama de Stevenson, que vem encantando gerações, é preservada em seu essencial.O protagonista é Jim Hawkins, garoto meio maluquinho que mora com a mãe numa estalagem. Um dia aparece um ser do espaço, ferido e moribundo, e entrega um mapa do tesouro antes de morrer. Daí para a aventura é um passo. Na atualização da Disney o pirata ferido passa a ser um monstrengo indecifrável, o “mapa” é uma esfera que, devidamente acionada, projeta indicações em três dimensões, e assim por diante.
A nau que transportará os aventureiros é, claro, uma estrambótica nave espacial, espécie de galeão intergaláctico, que flutua entre as constelações. O visual da animação é muito interessante e eficaz, como costumam ser nas produções da Disney.
Mas mais interessantes são os personagens e a maneira como eles interagem para mostrar uma etapa da história das mentalidades. O garoto sente falta do pai, não tem referência masculina. Enfrenta problemas com a polícia ao andar em excesso de velocidade no que parece uma prancha de wind surf aérea. A viagem será oportunidade para “construir o caráter”, como diz outro dos personagens. Citação, palavra por palavra, de verdade estabelecida na época do imperialismo britânico.
A bordo da nau, o rapaz vai servir como grumete sob as ordens de um pirata disfarçado de cozinheiro, Silver. No original, ele é um tipo inesquecível, Long John Silver, com sua perna de pau. Agora, virou um cyborg, no princípio assustador, mas que se revela de bom coração e figura masculina que faltava ao jovem.
Dessa ambigüidade de caráter virá o melhor da história. Porque Silver, que tem como mascote um estranho ser mutante, flutua entre a maldade e a bondade. Numa época em que o cinema para adultos anda tão maniqueísta, este exemplar dirigido para crianças se diverte em manter alguma ambivalência. Não é interessante?