Muita coisa mudou na Festa Literária Internacional de Paraty desde aquela diminuta e estrelada primeira edição, em 2003, na Casa de Cultura. Ela cresceu e cresceu, e então encolheu. Ela trouxe os melhores escritores e pensadores contemporâneos (Eric Hobsbawn, Toni Morrison, Julian Barnes, Amós Oz, Nadine Gordimer, Don DeLillo, Margaret Atwood, Martin Amis, Paul Auster, Ian McEwan, Lobo Antunes, Elizabeth Roudinesco, David Grossman, Salman Rushdie, Enrique Villa-Matas, Christopher Hitchens, J.M. Coetzee, Richard Dawkins, Gay Talese) – e então eles pararam de vir.

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“Está difícil conseguir essas pessoas, não sei por que. Não é por falta de tentar. Nós convidamos escritores de grande reputação. Se olharmos para a lista dos grandes nomes que vieram nem todos voltariam, outros não estão mais vivos. E tem o custo – eles querem vir de primeira classe ou executiva e o orçamento tem sido uma restrição. E há os que estão ocupados, ou em outros lugares”, explica Liz Calder ao ‘Estado’.

Aos 81 anos, esta editora inglesa que sempre teve um olhar atento à literatura estrangeira e fez fortuna ao descobrir e publicar Harry Potter por sua Bloomsbury, editora da qual se desligou em 2010, e começou a sonhar com um festival literário em um lugar agradável e relaxante em meados dos anos 1990, ainda sugere nomes à curadoria da Flip e faz seus contatos pessoais na tentativa de trazer seus ex-autores e amigos.

Ela conta que convidou a feminista Gloria Steinem este ano, mas que ela não pode vir. Adoraria ver “uma autora turca maravilhosa”, Elif Shafak, no palco da Flip, e ainda conta com o dia em que John Irving vai se render ao seu insistente convite. Autor de As Regras da Casa de Sidra, que virou o filme Regras da Vida, ele é popular no mundo todo, mas não no Brasil. Liz diz ter certeza de que sua popularidade mudaria se ele viesse. “E ele sempre me disse que viria à Flip, mas não em julho, quando é verão no Canadá e ele viaja com a família. Mas seus filhos já cresceram. Quem sabe a gente não tenta no ano que vem de novo”, conta.

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Liz Calder pergunta se a repórter gostaria de ver alguém em especial na Flip. Julian Barnes. “Ah, eu o convidei para vir este ano!”, revela. O escritor estava na edição de estreia, com sua mulher que morreu há alguns anos. “Ele me disse que não consegue ir a nenhum lugar onde esteve com ela. Mas agora ele tem uma namorada nova, e eu falei com ela também. Ela é editora e quer muito vir. Acho que ela vai convencê-lo. Vamos trabalhar nisso no ano que vem. Ele é maravilhoso.”

Os nomões andaram distantes nos últimos anos, e a Flip seguiu apresentando novos escritores para os leitores – foi numa Flip que Valter Hugo Mãe caiu nas graças dos brasileiros.

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Mas algo maior aconteceu recentemente. “Por muitos anos, tivemos curadores homens e, desde que entraram essas duas mulheres (Joselia Aguiar, em 2017 e 2018, e Fernanda Diamant agora), o equilíbrio no número de escritoras representadas mudou. Isso é o certo. Há muito mais equilíbrio agora. Há muitos temas comuns a homens e mulheres e os escritores também estão aqui, mas há um lugar para voz da mulher ser ouvida agora e não acho que isso vá mudar, independentemente de termos homens ou mulheres na curadoria”, diz. Ela completa: “Elas romperam com isso e trouxeram novos assuntos a serem discutidos e isso é muito bom.”

Houve também um período em que o público deixou de vir em peso, e andar sobre o calçamento pé de moleque do centro histórico ou sentar num restaurante já não pareciam desafios muito difíceis. E então as editoras independentes começaram a ocupar espaços desse centro, onde o Sesc já estava, e passaram a fazer a sua própria festa, com seus convidados – bons escritores que não estavam na programação oficial.
Ao abrir o microfone para um público mais plural, começaram a surgir temas como diversidade, representatividade, racismo e política. Questões que dominaram o palco principal do festival este ano. Uma Flip que cresceu para além da Flip. “Não estou muito certa do que eles fazem, mas acho bom porque abre diferentes opções para as pessoas que vêm e que muitas vezes não conseguem ingresso para a tenda principal. Também é bom ter a tenda do telão, gratuita”, comenta.

A história de Liz Calder com o Brasil remete aos anos 1960. “Meu marido, que trabalhava na Rolls-Royce, foi transferido para o Brasil. Chegamos no mês do golpe militar, com duas crianças pequenas e sem saber nada do País e fomos embora quatro anos depois, em 1968.” Voltou nos anos 1990 e continuou voltando. Já não tem mais uma casa aqui, mas a música ajudou, e ajuda, a matar a saudade. Vive hoje no interior da Inglaterra, onde fundou com o marido a pequena Full Circle Editions para publicar livros locais.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.