Até pouco tempo, o escritor Mário Prata levava a vida que pediu a Deus. Há quatro anos morando em Florianópolis, passava os dias refestelado numa rede fazendo palavras cruzadas ou lendo Tolstói. Entre um passatempo e outro, escrevia uma crônica por semana e um livro por ano. Mas a rotina desse simpático mineiro de 59 anos virou de cabeça para baixo no dia em que o diretor Luiz Fernando Carvalho entregou à direção da Globo a sinopse de Bang Bang, um projeto de ?novela-faroeste? que ele escreveu em meados dos anos 80 para a extinta Manchete. ?Não estava com saudades de fazer novela. Só voltei mesmo porque queria muito fazer ?essa? novela. Quando eu terminar, sumo novamente?, brinca.
Mas, até colocar o ponto final em Bang Bang, Prata vai ter de se readaptar à rotina televisiva. Afinal, a última novela que escreveu para a Globo foi Um Sonho a Mais, em 1985. Depois disso, amargou o fracasso retumbante de O Campeão, da Band, e escapou de assumir a igualmente malograda Metamorphoses, da Record. De volta ao batente, Prata já enfrentou os primeiros percalços. Antes mesmo de a novela estrear, já sofreu tendinite no ombro direito e se desentendeu com o próprio filho, Antônio Prata, um dos colaboradores de Bang Bang. ?Não sei dar nem receber ordens. Vou ter de aprender na marra. Mentalmente, até daria para escrever sozinho, mas fisicamente não dá…?, justifica.
Por essas e outras, Prata procurou refúgio num ?spa? em Sorocaba, interior de São Paulo. Lá, pretende contar a história de Albuquerque, uma cidade do Velho Oeste que vai servir de cenário para inúmeras sátiras políticas e sociais. A exemplo do que Cassiano Gabus Mendes fez em Que Rei Sou Eu?, de 1985, vai tirar proveito da nova novela das sete da Globo para discutir, com o habitual bom humor, temas importantes, como proibição de armas de fogo e horário político eleitoral. ?Dizem que, neste horário, a média é de 35 pontos. Como o formato de Bang Bang é diferente, ou ela dá 40 ou mais, ou dá 30 ou menos. Agora, se o público gostar, missão cumprida. Além de comprida, é claro?, graceja.
P – A sinopse de Bang Bang é de 1986. Por que levou tanto tempo para sair do papel?
R – Olha, eu escrevi essa novela para o Luiz Fernando Carvalho dirigir na Manchete, em 1986. Infelizmente, a Manchete deu no que deu e eu fiquei com a idéia na cabeça. Na época, não chegava a ser uma sinopse de novela. Era um esboço de poucas páginas. Recentemente, o Luiz Fernando convenceu a alta cúpula da Globo. A princípio, ele quis vender a idéia como minissérie, mas a Globo queria novela das sete. Eu não estava nem mais com vontade de escrever novela. Minha vida estava uma beleza só. Mas, quando o Luiz Fernando me chamou para fazer Bang Bang, não resisti. Topei de cara porque ?essa? novela eu queria muito fazer. Infelizmente, ele teve de sair para dirigir Hoje é Dia de Maria. Mas, também quando conheci o Ricardo Waddington, foi amor à primeira vista…
P – Por ser uma ?novela-faroeste?, você pretende fazer menção ao referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munição?
R – Quando eu estava escrevendo os primeiros capítulos de Bang Bang, começou a rolar essa história de desarmamento na mídia. E, apesar de a Globo não ter pedido absolutamente nada, decidi reescrever a cena do assalto à diligência. Nela, o Ben Silver e a Diana Bullock matavam uns salteadores. O que eu fiz? Optei por colocá-los lutando contra os bandidos a golpes de artes marciais. Além disso, não ficava legal acabar o intervalo comercial sobre desarmamento de armas de fogo e, logo em seguida, entrar a novela, com sangue, tiroteios e chacina… Por isso, resolvemos também fazer a seqüência da chacina da família do Ben Silver em desenho animado. Justamente para amenizar a violência…
Estréia foi um sucesso estrondoso
A estréia de Mário Prata na tevê foi discreta, mas promissora. Em 1974, ele escreveu um episódio da série Caso Especial, Ela Tem Uma Pinta Atrás da Orelha, que chamou atenção do diretor Ziembinsky. Tanto que ele convidou o autor, então com 28 anos, para escrever sua primeira novela: Estúpido Cupido. ?Até então, nunca tinha visto novela na vida. Foi tudo meio na marra. Mas dei sorte?, avalia. De fato, Estúpido Cupido chegou a dar 75 pontos no Ibope. Na cena em que Celly Campello, responsável pelos ?hits? Estúpido Cupido e Banho de Lua, visitou Albuquerque, a audiência pulou para 92. Mas Prata enfrentou também problemas com a censura. Palavras como ?transa? e ?ceroulas? foram censuradas. Por isso teve de ir à Brasília 17 vezes…
Na Globo, Prata voltou a escrever outras novelas, como Sem Lenço, Sem Documento e Um Sonho a Mais, sem nunca repetir o sucesso de Estúpido Cupido. Na extinta Manchete, escreveu Helena, dirigida por Denise Saraceni e Luiz Fernando Carvalho. Na RTP, de Portugal, onde morou de 1991 a 93, assinou de minisséries, como Um Século e Sete Mulheres, a novelas, como Os Treze Tesouros. De volta ao Brasil, foi chamado para substituir Ricardo Linhares à frente de O Campeão, da Band. O desinteresse do público, porém, foi tanto que a emissora suspendeu a novela. ?Aquela novela só serviu para me levar duas vezes para o hospital…?, resmunga.
?Quando crescer quero ser como o Millôr e o Veríssimo?
Apesar de ter nascido em Uberaba, Minas Gerais, Mário Prata cresceu em Lins, interior de São Paulo. Aos 10 anos, já arriscava as primeiras crônicas na velha Remington do pai, o médico Alberto Prata Júnior. Não demorou para que, aos 14, escrevesse a coluna social do A Gazeta de Lins sob o pseudônimo de Franco Abbiazzi. Em pouco tempo, já estava trabalhando no jornal carioca Última Hora, de Samuel Weiner. Mesmo assim, o pai não via com bons olhos a decisão do filho. ?Meus pais chamavam o que eu escrevia de bobagens e me previam um futuro péssimo. Por isso, preferiam Medicina, Engenharia, Direito ou Banco do Brasil?, lembra.
Na dúvida, Prata escolheu a carreira de bancário e trabalhou por oito anos no Banco do Brasil. Nos anos 60, prestou vestibular para Economia na USP, mas não concluiu o curso. Foi então que escreveu a primeira peça, Cordão Umbilical. A boa aceitação de público e crítica encorajou o rapaz a investir na carreira. ?Se tivesse fracassado, provavelmente teria concluído Economia e hoje estaria enfrentando alguma CPI?, brinca. De lá para cá, assinou outras peças, como Besame Mucho; livros, como Diário de Um Magro, e roteiros de cinema, como O Casamento de Romeu e Julieta. ?É um bom filme, mas gosto mais do meu conto?, ri.
Mesmo atuando em várias frentes, Prata lamenta não saber escrever, por exemplo, contos ou poemas. ?Todo escritor que encara a escrita como ganha-pão sabe fazer um pouco de cada coisa. Mesmo assim, tem gente mais eclética que eu: o Millôr e o Veríssimo. Quando crescer, quero ser que nem eles?, graceja. Por conta de Bang Bang, Prata teve de abrir mão das crônicas que escreve semanalmente para jornais e revistas. Ele só não abre mão mesmo é de continuar morando em Florianópolis. Se mudou para a capital catarinense há cerca de quatro anos. ?Não escolhi uma cidade para morar. Escolhi uma para não morar: São Paulo?, brinca.