‘Hotel Jasmim’ observa a chegada de um nordestino na selva de pedra

Quando a dramaturga baiana Claudia Barral chegou em São Paulo, ela tinha apenas o embrião de uma cena entre um imigrante baiano que vinha trabalhar em São Paulo. Desde sua vinda para a cidade, há uns cinco anos, algumas das sensações que experimentou ganharam voz e corpo em Hotel Jasmim, espetáculo dirigido por Denise Weinberg que abre, nessa sexta, 17, para convidados, a II Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos, no Centro Cultural São Paulo. “Imaginava, como todo mundo, que a cidade era a capital brasileira do trabalho,” diz Claudia. “Com isso, também vinha a relação estreita com o dinheiro e o consumo”, conta.

E é no quarto de um hotel barato que a dramaturga ambienta seu espetáculo. Nele, o jovem baiano Jorge Washington vem para São Paulo trabalhar como garçom no lugar do pai – assassinado quando voltava para casa. “Ele é evangélico, inocente e fica bastante impressionado com a agitação da cidade”, conta a dramaturga. Para Daniel Farias, que interpreta o personagem, o futuro do rapaz logo será atropelado pela velocidade da metrópole. “Ele não tem muitas pretensões, e sua vinda também não foi planejada. Trabalhar na função do pai morto é uma honra para ele”, explica o ator, que também é baiano.

Toda a ingenuidade e a visão servil do trabalho entrarão em choque quando Jorge conhecer seu colega de quarto. Fernando, vivido por Dudu Pelizzari, é um garoto de programa paulistano, que encarna o desencanto e a frieza de mais um sobrevivente da selva. Cercado de uma aparente tranquilidade e controle da situação, o rapaz demonstra outra dinâmica como trabalho. O que um michê faz? – a explicação causará uma pequena catástrofe no imaginário de Jorge. O que aparentam ser empregos opostos, aos poucos a peça revela contornos paralelos.

“São trabalhos pautados no corpo, como principal ferramenta. Tanto o garçom como o michê prestam serviços. Fora disso, eles não têm rosto ou qualquer serventia na sociedade.” Farias observa que, quando chegou em São Paulo, fez amizades com garçons e o porteiro do seu prédio, pois todos vieram do Nordeste para trabalhar São Paulo. “Isso me deu uma certa sensação de segurança, diante da indiferença e preconceito.” Para ilustrar, ele logo se recorda de um episódio quando passava de bicicleta por uma rua. “Eu estava vestindo uma camisa do Bahia e alguém gritou: ‘Paraíba!’ Como explicar que o Nordeste é muito maior que isso?”

Já Pelizzari conta que entrevistou alguns garotos de programa para compor seu personagem. “Quase todos dizem que fazem programa porque gostam. Eles admiram o desejo que seus clientes sentem, mas apenas um michê assumiu que o prejuízo é maior. Muitos deles não têm outra profissão.” Cláudia acrescenta que, nesse caso, o trabalho também funciona como um símbolo fálico. “É preciso ser forte e bruto para sobreviver.”

Outra faceta que a dramaturga revela são os pontos de vistas dos rapazes sobre as mulheres. De um lado, a formação religiosa de Jorge faz com que ele diferencie as mulheres em categorias como “para casar” e aquelas que “não se dão o respeito”. Já Fernando manifesta indiferença com os gritos da vizinha que apanha do marido. “Ela gosta”, o garoto de programa vai justificar. “O machismo não tem geografia, nem região e nem rosto”, defende Cláudia. “Quando aparece a figura feminina em uma janela, os dois demonstram suas compreensões extremistas e equivocadas.”

E, para dialogar com ideia de um hotel decaído, a montagem vai na contramão de representar um quarto como cenário. No palco, André Cortez concebe um outdoor de costas para a plateia. “Eles trabalham, mas estão apartados do consumo, e só existem para sustentar essa estrutura”, conta o cenógrafo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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