É comum alguém diante de um quadro acadêmico brasileiro torcer o nariz para deixar claro seu gosto pelo moderno e rejeitar o antigo, imitação européia tardia. O pipocar das vanguardas a partir de 1872 na Europa, incluindo impressionismo, deixou sem pai nem pai a multidão de pintores acadêmicos – imagine os seguidores das Américas! Estes caras iam para a Europa se aperfeiçoar no que havia mais avançado na pintura – a acadêmica.

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A maior parte viajava com recursos governamentais ou familiares e não ia cometer o desatino ou ingratidão de correr atrás de malucos que deixavam ateliês para pintar no meio da rua (impressionistas), que pintavam pessoas tortas e cores fora do lugar (expressionismo e fauvismo), que pintavam pessoas e paisagens como fossem rasgadas e coladas pedaço por pedaço sem ordem alguma e, às vezes, grudando pedaços de jornais velhos, papelão e madeira na tela (cubismo). Não fazia sentido. Sem contar o absurdo de botar na tela manchas grosseiras de tintas que recebiam título e chamavam aquilo de pintura (abstracionismo). Se fosse para fazer coisa assim nem precisavam sair de casa. O certo é que tinha de ser bem doido para ir atrás de gente que fazia isso, deixar o certo pelo que nem duvidoso era. Eles não foram. Tinham responsabilidades.

E perderam o trem para o lugar certo. O futuro. À primeira vista não estavam certos. A história reconheceu as vanguardas como passo adiante na história da arte. Mas aqueles pintores também não estavam errados. Como diria Einstein, tudo é relativo. A vanguarda não era o único caminho, embora contivesse muitos. O filão acadêmico e seu irmão careta, o realismo, nunca deixaram de render frutos. Que diga a pintura americana. Americanos sempre tiveram tendência conservadora. E sempre se deram bem com o realismo. James Whistler, embora sombrio, é um caso. Thomas Eakins é outro. E, mais recente, Andrew Wyeth (Christina’s World é um belo quadro, que evoca o desolado universo de Hooper), para não falar em Hooper, avesso a vanguardas. A lista é longa.

Ocorre aos pintores das Américas que foram para a Europa, se embarcassem na nova onda correriam risco de serem internados no primeiro sanatório ao voltarem a seus países. Eles não foram lá para ser vanguarda. Foram para aprender a arte acadêmica. Durante anos após o advento do cubismo, a elite americana recusava aceitar o cubismo como arte, privilegiando no ensino e na aquisição obras que elevavam o espírito e não a “descida aos esgotos”, como diria o kaiser Wilhelm II. Havia americano que comprava aquelas “coisas”, mas minoria no meio da minoria. Gertrude Stein que o diga. A Alemanha nos primeiros anos do século hesitava aceitar como arte a produção do Die Brücke e nos anos 30, sob Adolf Hitler, confiscou centenas de obras expressionistas e cubistas por ser “arte degenerada”. E achava aquilo contagioso e que devia ser combatido. No Brasil, em 1917, o Dr.

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Jorge Krug, tio de Anita Mafalti, se aborreceu quando viu os quadros da sobrinha. Eram doidos demais. Chamou de “coisas dantescas”. Monteiro Lobato pegou pesado em artigo no jornal. Bateu tão forte que Anita mudou de estilo e só tocou no assunto 34 anos depois. Ela nunca se recuperou do trauma. Como pedir a pintores subsidiados por Dom Pedro II no final do século 19 que fossem desbundar na Europa? Não dava. Se um deles fosse o Dicésar havia uma chance. Mas não era.

Eles foram atrás de pintura acadêmica numa Europa entupida daquele estilo secular e ansiosa por experimentar o novo. Os países americanos

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eram o contrário. Não tinham história pictórica para se enfarar e queriam construir a sua, precisavam preencher lacunas. Estas realidades diferentes faziam com que a importância de acadêmicos europeus e americanos do mesmo período também fosse diferente para suas sociedades. Entre 1880 e 1920 um grupo de bons pintores ajudou a consolidar a pintura brasileira. E começou pelo princípio. Vamos citar alguns, já que não dá para pegar todos. Eliseu Visconti (1866-1944), Pedro Weingärtner (1853-1929), Almeida Junior (1850-1899) e o norueguês Alfred Andersen (1860-1935), no Paraná.

O máximo de vanguarda que este grupo aceitou foi o impressionismo com Visconti, precursor do movime,nto e ponte entre arte acadêmica e moderna no Brasil. Italiano de nascimento, Visconti namorou o simbolismo -em Gioventù (quadro acima), um de seus mais belos trabalhos -, foi para a Europa com pensão do governo brasileiro e se interessou pelas artes decorativas, que tentou introduzir sem sucesso no Brasil. Achava possível educar artisticamente parcela da população por meio de cerâmicas, indústria têxtil e artes gráficas. Propunha casamento da arte com indústria, que aconteceria depois. Ele tinha boas ideias. O País é que não estava preparado para elas. O nosso modernismo se firmou porque fez um estrago dos diabos, foi um estupro intelectual.

Mas, em parte, o terreno modernista foi preparado por estes acadêmicos. A tela Caipira picando fumo, de 1893, de Almeida Júnior, tem a
força iconográfica de Gótico Americano, de Grant Wood. E a tela do caipira é anterior. É o primeiro quadro que sintetiza o brasileiro pobre do
interior – à época o Brasil era essencialmente rural. Só isto seria suficiente para colocar Almeida num plano de destaque na pintura brasileira.
Ele foi o primeiro a introduzir o homem do povo e seu cotidiano nas telas, que levavam nomes sem embromação como Violeiro, A carta,
O Importuno e outros. Estas telas passaram a fazer parte do imaginário brasileiro depois de reproduzidas em calendários distribuídos por
lojas comerciais todo fim de ano. Sem contar que Almeida também foi reconhecido pelo tratamento que deu à luz tropical e abandono da monumentalidade nas obras. Já Weingärtner, gaúcho filho de alemães, produziu durante seis décadas, com grande apuro técnico. Dono de exacerbado perfeccionismo e escravo da obediência à técnica, ele reproduziu cenas épicas, de interiores e retratos, na Europa e no Brasil, e sua importância, como revela a curadora Ruth Sprung Tarasantchi, só será compreendida se localizar o pintor “em seu tempo e seu mundo”. E como seu tempo faz parte de nossa história, não se pode negar o seu valor.

Quanto a Andersen, parece evidente que foi menos importante que Munch para a história da pintura universal, mas foi mais importante que Munch para a pintura no Paraná. Quis vir para a América, escolheu Buenos Aires, encalhou em Paranaguá. Casou com Anna de Oliveira, vinte e cinco mais jovem, descendente de índios. Fez quatro filhos, subiu para Curitiba. Para não enxergarem xenofobia ao falar de Andersen, vamos recorrer ao insuspeito Pietro Maria Bardi que o considerava um dos maiores pintores do Brasil. E Bardi, mais que escolas, distinguia talento e qualidade. Então, quando alguém ver um quadro destes acadêmicos, é uma grande injustiça dizer que eles foram apenas isso. É mais elegante e justo dizer que foram artistas que consolidaram a pintura brasileira, dando a ela um belo passado, sem o qual não existe nem presente e muito