Desde A Vida na Sarjeta, seu primeiro livro publicado no Brasil, em 2014, pela editora É Realizações, a reputação do psiquiatra e ensaísta inglês Theodore Dalrymple só tem crescido. Com ela também cresceram as vendas de seus oito livros lançados aqui pela mesma editora, três deles já reimpressos, totalizando mais de 70 mil volumes, dois quais o recordista é Nossa Cultura… ou O Que Restou Dela, seu livro mais vendido, chegando perto dos 10 mil exemplares.

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Dalrymple está no Brasil para o lançamento de Não Com Um Estrondo, mas com Um Gemido, o nono livro publicado pela É Realizações, que promove nesta segunda-feira, 31, às 20 horas, no auditório do Masp, sua palestra Como Pensar sobre a Pobreza, com ingressos gratuitos (que podem ser retirados a partir das 18 horas). Dalrymple também grava na próxima quinta-feira o programa Roda Viva, da TV Cultura. Ele participou ainda da 3ª. Bienal Brasil do Livro e da Leitura de Brasília, conversando, na ocasião, com a reportagem do Caderno 2, por telefone.

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Homens ocos

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O título de seu novo livro, tomado de empréstimo de um poema de T.S. Eliot (The Hollow Men/Os Homens Ocos), dá a dimensão do pensamento de Dalrymple sobre o rumo que tomou o mundo contemporâneo. Talvez seu fim não seja com um gemido, como previu Eliot, mas que a catástrofe parece inevitável, poucos duvidam. Dalrymple – aliás, Anthony Daniels, seu nome verdadeiro – teme que o alarmante crescimento das patologias sociais e o declínio moral e cultural da Europa, particularmente a Grã-Bretanha, não consigam desmentir o profético poema de Eliot.

Em todo caso, ele considera a possibilidade de uma saída de emergência nesse inferno. Não é otimista nem pessimista. Aliás, como dizia Gide, não há diferença entre ambos: o otimista é um idiota alegre; o pessimista, um idiota triste. Dalrymple já testemunhou tragédias demais para estar no primeiro caso. É só ler seu primeiro livro lançado aqui, A Vida na Sarjeta, para concluir que estamos diante de um psiquiatra que não comunga das ideias de Laing ou Foucault: nele, Dalrymple relata suas experiências como médico de pessoas com distúrbios mentais e presidiários oriundos da classe operária em Birmingham.

Conclui que são vítimas de uma sociedade disfuncional, sim, mas nem por isso devem ser devolvidos a ela sem tratamento.

Conservador

É um conservador, sem dúvida, a ponto de declarar que o vício da heroína não deve ser tratado como uma doença ou que o problema da sociedade moderna é não criar vínculos estáveis entre as pessoas ou relações estruturadas. Polêmico, ele ataca a corrupção moral que faz com que mais de 3 milhões de pessoas vivam de auxílio-doença na Inglaterra sem ser portadoras de qualquer distúrbio. Diz que a culpa é das políticas adotadas sob a égide do liberalismo. Os intelectuais liberais, diz, acabaram com a família na Grã-Bretanha.

Mimados

Filho de um comunista, Dalrymple, contudo, não seguiu o caminho do pai. Assume-se como ateu, mas vai na contracorrente de outros ateus militantes, como Richard Dawkins. Opositor do multiculturalismo, ele culpa o Estado do bem-estar social como responsável pela infantilização dos indivíduos, que são tratados como crianças irresponsáveis, dissociando a ideia do direito da ideia do dever – tema de seu livro Podres de Mimados.

Em Não com um Estrondo, mas com um Gemido, Dalrymple abre o leque e mostra seu lado erudito, discorrendo sobre o caráter dos britânicos (que trocaram a independência pela passividade), a vida nos manicômios, homens-bomba, casamento e literatura. Dividido em duas partes, a primeira trata de artistas e ideólogos. A segunda, de política e cultura contemporânea.

Graças à adoção do pseudônimo Theodore Dalrymple, em 1990, o doutor Anthony Daniels diz que conseguiu, de alguma forma, tratar de temas diversos de forma anônima em publicações inglesas. Isso até os editores norte-americanos descobrirem que havia ali um filão a ser explorado: o do intelectual na contramão dos “progressistas”, persuasivo e seguro de suas opiniões conservadoras, que fala de temas como pobreza, violência doméstica e criminosos com a experiência de quem viveu muito perto de excluídos sociais – ele tanto ouvia as vítimas num bairro miserável de Birmingham como seus carrascos, numa prisão a poucos metros de distância.

“Basicamente, não mudaria muito do que está no livro, mas é preciso admitir que algumas coisas evoluíram na Inglaterra, a despeito da crise interna provocada pela decisão do Reino Unido de sair da União Europeia”. No livro, há um ensaio, de 2006, em que Dalrymple diz com todas as letras que a Inglaterra está decadente, a ponto de confirmar as profecias de Anthony Burgess em A Laranja Mecânica.

“Não diria, claro, que chegamos ao nível de violência narrado por Burgess e amplificado por Kubrick em seu filme, mas ainda fico assustado como nos tempos em que eu, aluno de medicina, vi o filme. Dalrymple classifica de “obra-prima” o livro profético de Burgess e lamenta que Kubrick tenha preferido o epílogo da edição norte-americana de A Laranja Mecânica (nos EUA, os editores eliminaram o último capítulo do livro, em que o protagonista Alex, um jovem psicopata, se redime, rejeitando a violência). “O livro é um ataque ao sonho de um mundo harmônico, em que a cultura dos jovens predomina, desafiando a sabedoria dos mais velhos”, resume.

Delinquentes

O autor evoca Shakespeare, que desejava eliminar a passagem entre os 13 e os 23 anos – idade em que os jovens, segundo o bardo, só querem fazer sexo, ofender idosos, roubar e causar rixas. “Nós não precisamos de mais leis para nos tornamos civilizados, mas respeitar as que já existem”, observa Dalrymple, definindo a criminalidade como uma “atividade juvenil”.

Revela que são poucos os prisioneiros, nas cadeias em que trabalhou, detidos por crimes perpetrados após os 35 anos. “Parece haver um aspecto biológico nos delitos comuns”, analisa, dando munição para que seus adversários o chamem de lombrosiano. “Dizem que eu sou exagerado, e talvez o seja, mas Burgess, que escreveu seu livro em 1962, estava falando, de modo profético, de uma cultura juvenil em que o autocontrole desaparece e prevalecem os caprichos pessoais”. Só quem experimentou uma passagem pelos bairros ingleses da classe operária, argumenta, sabe que Burgess “não passou longe do alvo”.

Contudo, não é Burgess, mas J. G. Ballard (1930-2009) o autor inglês de sua predileção. Nenhum autor britânico, segundo Dalrymple, “capturou nosso mal-estar ou esteve mais atento à degradação da sociedade contemporânea”. Ele cita particularmente o livro Crash, filmado pelo canadense David Cronenberg há 20 anos como Crash – Estranhos Prazeres.

O subtítulo brasileiro diz respeito às experiências bizarras dos protagonistas, que farejam como hienas corpos agonizantes em acidentes de automóveis no intuito de ter relações sexuais com pessoas mutiladas. A obra, na análise de Dalrymple, é uma reflexão profunda sobre o absurdo da abundância material moderna, o sensacionalismo erótico e a falta de um objetivo transcendente na vida.

“Veja, não estou falando de Deus, até mesmo porque, como disse, sou ateu, mas numa transcendência garantida pelos vínculos afetivos, pela compaixão”. Dalrymple, que já veio ao Brasil três vezes, conclui que os brasileiros, pela experiência próxima da pobreza, podem experimentar esse sentimento melhor que outros povos. Pelo menos isso.