Onde estavam os super-heróis no dia 11 de setembro de 2001? Eis aí uma pergunta que não quer calar e tem sido repetida pela garotada do mundo todo, que nasceu, cresceu e até envelheceu aprendendo que os poderosos heróis de papel eram os guardiões da América.
Certamente, a queda do World Trade Center, em Nova York, destruiu não apenas parte da ilha de Manhattan, mas também muitos sonhos juvenis. E os editores de quadrinhos, que jamais foram capazes de imaginar algo parecido, estão sabendo disso. Como Superman, Homem-Aranha, X-Men, Mulher-Maravilha, Capitão América e toda aquela legião de heróis uniformizados foram deixar que meia dúzia de terroristas, sem nenhum poder extraordinário, que sequer máscaras usavam, invadissem o território nacional, seqüestrassem três super-boeings e atingissem as duas maiores edificações nova-iorquinas, em plena luz do dia, debaixo de um céu azul e diante das câmaras da televisão e do olhar atônito da população mundial?
No primeiro momento, tanto a Marvel quanto a DC – as duas maiorais do mercado americano de comics – foram também tomadas de pura estupefação. Mas logo perceberam que algo precisava ser feito. Afinal ali – e justamente ali – é o lar dos ditos defensores da ordem e da justiça, de alguns há mais de 60 anos. E ele fora atacado, com a perda de centenas de pessoas inocentes, bem diante de seus narizes. E nada se fez para impedir essa catástrofe.
“Estamos aqui!ª
Coube à Marvel Characters Inc. dar o primeiro passo, e ao Homem-Aranha, o mais popular e bem-humorado personagem do Universo Marvel, oferecer as respostas. Ainda sob o impacto do ensandecido ato, o editor Axel Alonso convocou o argumentista J. Michael Straczynski e o desenhista John Romita Jr. e entregou-lhes a missão de construir, com a necessária urgência, uma ponte entre o mundo imaginário dos super-heróis e a cruel realidade daquele momento. O resultado apareceu originariamente na revista Amazing Spider-Man nº 36, de dezembro de 2001.
Straczynski fez o que pôde. Procurou integrar os personagens da Marvel Comics no cenário da tragédia e colocou na boca de um Homem-Aranha atordoado entre os escombros a frase “Nós estamos aqui!ª, repetida à exaustão. X-Men, Capitão América, Quarteto Fantástico, Demolidor, Thor e Os Vingadores foram vistos atuando no resgate das vítimas do WTC, junto aos bombeiros, policiais e voluntários de cidade de Nova York. Até aqueles normalmente considerados bandidos, inimigos da lei (como Dr. Destino, Rei do Crime e Magneto) foram flagrados em meio aos destroços com – pasmem os leitores! – lágrimas nos olhos. “Existem coisas que superam qualquer rivalidadeª – sapecou Straczynski.
Segundo o editor Alonso, a edição especial de Homem-Aranha deve ser considerada como a palavra oficial do Universo Marvel sobre os eventos de 11 de setembro. Foi, por certo, apenas mais uma revista em quadrinhos, mas algumas reflexões também externadas pelo Aranha, como porta-voz de uma sociedade ferida física e moralmente, merecem ser destacadas:
“Talvez a gente deva pedir desculpas às crianças. Por não ter conseguido colocá-las no mundo que gostaríamos de ter. Porque a nossa ansiedade de gritar é maior do que a nossa vontade de ouvir. Porque a sina de povos distantes é responsabilidade de cada homem e mulher com consciência… Ou essa sina, cedo ou tarde, se tornará nossa tragédiaª.
Foi apenas um gibi, mas às vezes tem coisas interessantes nos gibis.
Assunto delicado
Maior dificuldade emocional que Straczynski teve o ilustrador Romita Jr., nova-iorquino de nascimento e um amante declarado da cidade. Ele confessaria, algum tempo depois, que, durante o mês que levou para finalizar a arte da história, dormiu mal, teve as noites tomadas por pesadelos e não conseguiu afastar da mente as cenas reais do acontecimento.
– Havia um prazo muito apertado a cumprir, estávamos todos tomados pela comoção e eu precisei trabalhar com muito material de referência espalhado pelo estúdio – explicou ele.
Axel Alonso admitiu que teve receio de tratar do assunto. Mas concorda que seria no mínimo muito estranho colocar a revista nas bancas sem nenhuma menção ao ocorrido. Afinal, a maioria absoluta dos super-heróis está sediada na Big Apple.
A edição nacional de Homem-Aranha – Em Memória das Vítimas de 11 de Setembro foi publicada no Brasil, em edição especial de 32 páginas, a cores, no formato 15 x 24,5 cm e preço popularíssimo de R$ 2,50, pela Panini Comics, com produção editorial da Mythos Editora, em setembro do corrente ano. A edição esgotou-se rapidamente nas bancas, mas ainda poderá ser encontrada (ou encomendada) na gibiteria Itiban (Rua Silva Jardim, 845, Capital).
P.S.
– É sabido que também a DC Comics fez um trabalho semelhante ao da Marvel, mas não se tem notícia se ele ainda será publicado no Brasil. O certo é que, também no mundo dos quadrinhos, nada será igual depois de 11 de setembro de 2001. Prova é o “novoª Capitão América, que sempre foi considerado o “Paladino da Liberdadeª. Agora, ele pretende dedicar-se inteiramente ao combate do terrorismo. Como George W. Bush.