Dos prêmios, todo mundo já falou – na Berlinale, no México. Vamos falar de mercado. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho estreia nesta quinta-feira, 10, em 140 salas de todo o Brasil.
Pode ser pouco em relação às 1.300 salas com que Rio 2 estreou há três semanas e, depois, as 1.020 de Noé e agora as 1.070 de Capitão América 2. Mas é um recorde para a distribuidora Vitrine, de Sílvia Cruz, que nos últimos anos se especializou em mostrar o cinema de ponta produzido no País.
A Vitrine tem lançado os filmes que compõem a Mostra Aurora, em Tiradentes. Lançou O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho. No fim do ano, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, Sílvia citou os números de O Som ao Redor.
O filme não batera 100 mil espectadores, mas chegara perto. Podia ser pouco. Afinal, o filme de Kleber foi uma unanimidade de crítica. Mas os 96 mil (número exato) eram mais que todos os demais filmes da carteira da Vitrine haviam faturado.
Para o tamanho com que costuma trabalhar, a distribuidora aventura-se agora num lançamento grande – seu maior. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho tem potencial para chegar a… Quantos mil espectadores? O importante é que você não precisa ser militante nem simpatizante gay para agitar a bandeira do filme de Daniel Ribeiro. Só tem de ser cinéfilo – de gostar de cinema, e de gente.
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho retoma temas e personagens que o diretor Daniel Ribeiro já abordara em Eu Não Quero Voltar Sozinho. O filme anterior era curto, sobre um garoto gay e cego.
“Ao me decidir a retomar o Não Quero, eu não tinha certeza de nada, exceto de uma coisa. Não queria fazer uma sequência, porque não via muito interesse no que pudesse vir depois do happy end. Mas eu não queria só esticar a história curta, repetindo a história das duas minorias. Queria que o filme tivesse uma identidade própria. Fiz, mas não estava seguro de ter acertado. E foi assim até a apresentação do filme em Berlim. Depois que vieram os aplausos, os abraços e cumprimentos, relaxei.” Na cabeça de Ribeiro, o filme não era sobre um garoto cego e gay que assume sua sexualidade. Isso talvez tenha sido uma simplificação da imprensa, para explicar ao público o que é o filme.
“Para mim, sempre foi sobre um garoto cego que queria se libertar das amarras protetoras da família e voar sozinho. Esse desejo de liberdade é comum a todo adolescente. A fragilidade e a insegurança também. A escolha da sexualidade é um complicador a mais, assim como a deficiência visual, mas o que tenho percebido é que muita gente não se identifica com o Leo (personagem de Guilherme Lobo) porque ele é cego, ou gay, mas porque seu desejo de superar os limites é universal.” No cartaz de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, há uma frase embaixo do título. ‘Nem todo amor nasce à primeira vista.’
É justamente uma das questões do filme – se o sujeito não vê, como Leo, como o amor pode ser à primeira vista? É um detalhe tão sutil que você pode nem reparar, mas quando Gabriel (Fábio Audi) entra na sala de aula, e na vida de Leo, a câmera está colada no ouvido do protagonista. No corajoso texto abaixo, Lucas Maia conta como a sexualidade do cego se manifesta pela voz, pelo contato, pelo cheiro, que são seus estimulantes sexuais, substituindo a visão. “No filme tem mais. A amiga – Giovana (Tess Amorim) – funciona como uma espécie de visão auxiliar de Leo. Ela diz que o garoto é um gato, e isso estimula a fantasia de Leo, mas o desejo só se manifesta mesmo na cena decisiva em que ele veste o edredom do colega.”
Alguns críticos já reclamaram que o imaginário de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é branco, urbano e retrata uma classe média alta. O bullying é desmontado no momento em que aparece – espere pelo desfecho -, mas isso não é tão raro assim. O que a equipe de Tatuagem dizia do filme de Hilton Lacerda é cristalizado aqui – há uma estética do afeto que impregna as ações e dá ao fi,lme de Daniel Ribeiro seu formato peculiar. Não foi por acaso que jornalistas de todo o mundo, em Berlim, e o público de Guadalajara se deixaram envolver pela trama de Hoje Eu Quero.
Mais que sobre o prêmio em Berlim, o diretor gosta de falar sobre a participação brasileira na Berlinale de 2014. Havia quatro filmes brasileiros nas diversas seções do festival, incluindo o magnífico Praia do Futuro, de Karin Aïnouz, na competição (e o filme, criminosamente, não ganhou nada). Três deles, a começar pelo de Karin, abordavam temas gays e Ribeiro vê nisso um sintoma de que o mundo está mudando em relação à homossexualidade, em especial no cinema. A diversidade dá o tom dos filmes, e ela é muito boa, acredita o diretor, para desmistificar os personagens gays.
A observação de Ribeiro não deixa de ser uma resposta às cobranças a seu filme, como se também só devesse haver ‘uma’ forma de abordagem do assunto. O melhor. Abaixo você encontra a informação de que o complexo Frei Caneca está franqueando pela primeira vez no País o aplicativo Whatscine, que vai além do tradicional formato descritivo, permitindo ao deficiente visual que também ‘veja’ o filme. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.