Renato Aragão faz uma distinção entre humorista e comediante: enquanto o primeiro usa a palavra falada para fazer graça, o segundo é aquele que utiliza o corpo para provocar risos, por meio de amalucadas situações físicas. “Eu me vejo como um comediante”, diz o artista de 82 anos, fiel seguidor do estilo de seus ídolos: Oscarito, Charles Chaplin e Carmen Miranda. “Aprendi muito com eles, que me inspiraram artisticamente.” E é a imagem desse homem que, desde a década de 1960, faz caretas e dá piruetas que se sobressai do livro Renato Aragão – Do Ceará para o Coração do Brasil (Estação Brasil), biografia que ele assina ao lado do jornalista Rodrigo Fonseca.

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Com um texto fluido e ágil, fruto de encontros quase diários, acontecidos durante 6 meses, o livro se assemelha a um almanaque. “É uma literatura de relato”, conta Fonseca, blogueiro do Portal Estadão. “A partir da história do Renato, percebi que o melhor caminho era criar algo como um livro de aventuras, o que dá um colorido mais pop à sua memória.”

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De fato, ainda que inicialmente siga uma ordem cronológica a fim de o leitor entender a formação cômica do jovem Aragão, a trama, aos poucos, se descola do tempo e se aconchega nas histórias envolvendo pessoas. E casos não faltam – afinal, foram 50 filmes gravados e programas humorísticos apresentados por diversas emissoras por, pelo menos, cinco décadas, arrebanhando uma audiência com mais de 138 milhões de espectadores.

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À frente do quarteto Os Trapalhões, Aragão apresentava semanalmente um humor que delineava as várias faces do Brasil a partir de seus participantes. “Éramos um nordestino sofrido (Didi), um galã de periferia (Dedé), um malandro do morro (Mussum) e um mineiro atrapalhado (Zacarias), ou seja, a cara do País”, comenta Aragão ao Estado, em um hotel no Rio de Janeiro, onde se confessou emocionado por finalmente eternizar suas histórias no papel. “Até atingir o sucesso na Globo, sofri com muito preconceito por ser nordestino e por preferir um humor mais físico.”

É preciso lembrar da persistência que sempre marcou o caráter de Antonio Renato Aragão. Nascido em Sobral, no Ceará, ele prometia seguir outra carreira no início dos anos 1960: já morando em Fortaleza, Aragão trabalhava no Banco do Nordeste e terminava o curso de Direito. O futuro advogado, no entanto, era fanático pelas comédias de Oscarito, um dos maiores humoristas que o Brasil já teve. “Revia seus filmes sempre que possível e tentava imitar aquela forma de fazer rir por meio do corpo, do gestual”, lembra-se. “Por causa disso, eu não via chance para mim, pois os principais comediantes trabalhavam no rádio, ou seja, usavam apenas a voz.”

A chance surgiu quando a TV Ceará abriu vagas para roteiristas, em 1960. Confiante com o sucesso que fazia entre seus colegas de Exército (os soldados do CPOR se esborrachavam de rir com suas imitações e trejeitos), Aragão se inscreveu e acabou passando. “Li muitas comédias do Martins Pena e do Oduvaldo Vianna para entender o como funcionava o ritmo de uma comédia”, conta ele. “Apesar de ficar famoso pelos improvisos, Renato foi, desde jovem, muito ligado à palavra. Só depois de ter um texto confiável é que ele se sentia à vontade para improvisar”, atesta Fonseca.

Integrado à emissora, Aragão começou a escrever para outros artistas, mas logo seus textos chaplinianos e seu humor físico o levaram para diante das câmeras. Era o nascimento de Didi que, mais que um personagem, tornou-se a persona extrovertida do sempre tímido Renato Aragão. Sua estreia ocorreu a 30 de setembro de 1960, no programa Vídeo Alegre.

“Eu precisava de um pseudônimo bem simples e sonoro, como era Oscarito, e pintou essa ideia, do nada, como muito das minhas invenções”, conta ele no livro. De fato, essa se consolidou como a principal forma de trabalho de Aragão ao longo de sua carreira, uma mistura de trabalho árduo com intuição.

Foi por esse caminho que surgiram expressões que se tornaram clássicas como “psit” e “ô da poltrona” para se comunicar diretamente com o telespectador, quebrando a parede imaginária criada pela TV entre os artistas e o público.

“Não me pergunte de onde tiro isso: quando preciso, a ideia vem”, explica ele, no livro. Essa é uma fala típica de Didi Mocó, pois o Renato Aragão é uma pessoa mais calculista. Tanto que, ao ser convidado para se transferir para a TV Tupi do Rio de Janeiro (seu sucesso extrapolou as fronteiras regionais), em 1964, ele primeiro garantiu a manutenção do emprego no Banco do Nordeste, agora na capital fluminense.

Da Tupi, veio para a Excelsior, em São Paulo, dois anos depois, onde participou do programa Adoráveis Trapalhões, embrião do que seria seu principal sucesso. Passou ainda pela Record e pela Tupi paulistana, onde viveu uma situação surreal: apesar de garantir audiência para a emissora, não recebia salário. O que facilitou aceitar o convite da Globo, incomodada com aquele humorista e seus três parceiros (já eram Dedé, Mussum e Zacarias) que roubavam audiência do Fantástico.

Aragão pediu carta branca de José Bonifácio Sobrinho, o Boni, superintendente da Vênus Platinada, para fazer o seu humor, ou seja, movido a improvisos. “Boni colocou uns espiões no estúdio, mas nunca proibiu nada”, diverte-se o comediante, que logo protagonizou momentos célebres como as famosas imitações de Roberto Carlos e Ney Matogrosso (“Não ensaiava nada, fazia tudo de primeira”).

Os Trapalhões tornou-se um marco na TV e hoje, acompanhado apenas de Dedé (Mussum e Zacarias já morreram), Aragão mantém-se no ar e prepara mais um filme Didi e o Fantasma do Teatro. Algum sucessor? “Gosto muito do humor de Leandro Hassum”, afirma.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.