Erich Stange, em sua obra Memoraízes, relata histórias da dura vida dos imigrantes chegados em Santa Catarina, seu desencanto, sua força de vontade e, sobretudo, seu empreendedorismo, fazendo surgirem as primeiras fábricas do século XX em nosso país.
Inicialmente a vida era sempre difícil. Os pioneiros foram aqueles que “abriram caminhos”, com todos os empecilhos que possamos imaginar.
Havia índios e havia feras, como os tigres. O jornal em língua alemã Der Immigrant, de 1883, editado em Blumenau, já citava na coluna “Notícias Locais”: “No Encano do Norte foi pego, na semana passada, um tigre adulto também no Itoupava, o paraíso dos tigres, como é chamado, dois vizinhos conseguiram pegar uma onça preta”.
E sobre a ferocidade dos índios: “Alguns italianos que moram em Neise (Apiúna) foram assaltados no dia 7 de novembro por uma turma de pelo menos 15 bugres. A família Danielle estava na roça de milho quando o pai notou os índios. Para espantá-los, deu uns 5 ou 6 tiros. Os bugres, de longe, só riram e avançaram com suas flechas e arcos. O filho também atirou, mas também não acertou. Aí o pai foi atingido por uma flecha nas costas, a filha mais velha recebeu uma flechada no braço e a mais nova no lado. Todas as crianças conseguiram se salvar na roça alta do milho. Mas pegaram o pai, que foi massacrado. Ainda com vida, vazaram seus olhos com fogo. Com os tiros, os vizinhos vieram em socorro, mas só conseguiram salvar o corpo do coitado, já sem vida, que os índios pretendiam jogar nas labaredas da casa, que foi incinerada. Todos os italianos abandonaram a região”.
O início das cooperativas
É também o jornal Der Immigrant, de 23 de maio de 1883, que nos relata a fundação de uma “Sociedade Agrícola” catarinense, tendo como modelo as cooperativas da Alemanha, no dia 1.º de junho de 1881. O objetivo era “orientar o agricultor, facilitar a aquisição de sementes, a compra e venda de utensílios e produtos e a sugestão para uma plantação orientada”.
Seu lema era “Um por todos, todos por um”. Em pouco tempo em torno de 100 colonos se declararam dispostos a produzir em massa os produtos sugeridos pela direção. Como primeira sugestão surgiu a plantação de algodão que a firma Roeder, Karsten & Hadlich, de Rio do Testo, garantia comprar o total da produção. Na ata da reunião seguia a orientação de como semear, preparar a terra, plantar, manter e colher o produto, detalhadamente. Também é sugerido o plantio do tabaco, semeando-o de 14 em 14 dias para garantir uma boa safra . As orientações são assinadas por Otto Bachmann, e há ainda a observação de que “aceitamos adiantamentos para a compra de ovelhas no Planalto”.
As reuniões eram realizadas sempre a cada primeiro domingo do mês, às duas horas da tarde, na casa do Sr. Herm Heidorn.
Chama a atenção, também, já naquela época a notícia da “Fábrica de Leite em Pó” (pesquisa e colaboração de Asta Enns, em alemão, tradução de Erich Stange em abril de 1998):
“Notícias da primeira fábrica de leite em pó da América do Sul em Indaial, Santa Catarina, Brasil, na hoje Rua Marechal Deodoro da Fonseca número 586.” Não sabemos de quem foi a iniciativa para a fundação do empreendimento, mas temos em mãos dados concretos que o início foi em 4/7/1923, conforme consta em um título desta Sociedade Anônima, “Companhia de Lacticinios Indayal”, – Indaial – Blumenau – Santa Catarina -, em ação no valor de um conto de reis, de propriedade de Frederico Hardt.
Juntaram-se nessa iniciativa as três fábricas de queijo da região: Frederico Hardt, Carlos Schroeder e Fritz Lorenz, de Timbó, o último sob a gerência de Ludwig Paul. Como técnico responsável assinou August Bonse, um alemão. A construção das edificações terminou em 1924 e logo foi instalada a primeira fábrica de leite em pó da América do Sul. Foi montada uma grande máquina de vapor com dínamo para converter força motora em força elétrica, pois a energia elétrica naquela época era muito irregular, sendo sistematicamente desligada depois das 22 horas e aos domingos. Nessas ocasiões o dínamo fornecia a energia necessária à estufa onde o leite era secado.
Diariamente a produção era enlatada em latas litografadas. Havia leite seco integral e semidesnatado. Segundo o tradutor Erich Stange, parecia não ter conservantes, pois com o clima úmido se estragava rapidamente.
Segundo ele, a procura era pequena, pois as cidades recebiam diariamente leite fresco diretamente de produtores e fornecedores regionais (cada colono “tinha a sua vaquinha”). Até em Curitiba, ainda em 1945, o leite era recebido diariamente pelas “carrocinhas”. Foram contatados, então, os países vizinhos, principalmente a Argentina, grande produtor agrário, mas ali também não havia mercado para o produto. Sem outra alternativa, a fábrica foi fechada em 1928.
Mas aquele povo empreendedor não se deu por vencido. Logo a seguir alguém teve a idéia de fabricar um medicamento, o fortificante chamado “Limacal”. Era feito de suco de limão, cal orgânico e cacau. Granulado, tinha sabor agradável. Era fornecido em vidros próprios, de 100 gramas. Mas também não deu certo, a procura foi pequena, e logo a fábrica foi fechada.
Os próximos proprietários, Otto e Rudolf Renard, pai e filho, iniciaram uma fábrica de cola fria com a cal mineral. A indústria funcionou com o nome de “Incola S/A – Indústrias Renard de Cola e Lacticínios”, com sede em Pouso Alegre, sul de Minas, mas também não permaneceram por muito tempo, vendendo a indústria para dois irmãos, os Farias, de Minas Gerais, a quem se juntou um farmacêutico de Curitiba, Máximo Kopp, permanecendo até 1950. Então os mineiros venderam o inventário da fábrica de cola para a firma americana “Alba S/A”, permanecendo as edificações e o terreno, e em 1955 foi tudo vendido, a Alba S/A não se interessando e se mudando para Curitiba. A fábrica de cola continuou em escala pequena e os mineiros ofereceram tudo ao seu gerente, J.J.Enns, em condições bastante favoráveis, aceitando ele a oferta. A firma funcionou, então com a denominação de “Indústria Química Indaial”, de J.J. Enns, até 1960, que diversificou a produção com tintas para madeira, goma arábica, vernizes para assoalhos e um fortificante para gado, o “Salmin”. Em uma construção anexa foi aberta uma pequena fábrica de minimotores sob a denominação de “Fábrica de Motores e Aparelhos Elétricos Edi”, de Enns & Dreer Ltda. Fabricante de motores monofásicos, aparelhos para limpar relógios, ventiladores, afiadores de lâminas overlock e outros para a indústria de malhas. Em 1960, com a doença de Enns, a fábrica foi fechada. Com seu falecimento, dois anos depois, a fábrica foi alugada e ali se estabeleceu um depósito de madeiras, por pouco tempo, e logo a seguir, uma pequena malharia, W.Weege (da qual hoje temos conhecimento do progresso). Depois, a malharia Flamingo, a Confecções Magdalena e uma fábrica de palmitos em conserva, que não durou muito. Hoje funcionam uma marcenaria com loja de antigüidades e uma serralheria.
Estas linhas bem reproduzem o empreendedorismo do nosso imigrante, a quem devemos muito do progresso de nosso Brasil.