Historiador judeu critica livro de autor revisionista

Em entrevista a O Estado, o historiador judeu Sérgio Feldman, que se graduou em Tel Aviv, possui mestrado pela USP e atualmente leciona na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), procura esclarecer as “distorções historiográficas de nível indescritível” no livro …E a Guerra Continua, de Norberto Toedter. “Alguns revisionistas são inocentes úteis, e talvez esse seja o caso”, sugere. “O povo alemão é vítima de grave erro, enraizado no seu imaginário: o mito medieval da campanha judaica de dominação mundial, que tenta retratar o judeu como povo deicida, assassino de Deus e aliado do anticristo”.

Para ele, a propagação dessa idéia por um líder carismático que a usava para explicar as dificuldades por que passava o país, e “apoiada sobre a rigidez e disciplina típica do povo germânico, levou um grande número de pessoas a acreditar no mito da raça ariana”. “Ao negar esses acontecimentos, ele mata pela segunda vez 6 milhões de judeus, mais de 1 milhão de ciganos e milhares de homossexuais, poloneses, comunistas e opositores ao regime”, diz. “É real, muitos têm o número gravado na pele. E é um perigo para a humanidade permitir que se renove um discurso racista como este.”

Áustria e Polônia

Sobre a anexação “consentida” da Áustria, o historiador relata que os nazistas “assassinaram o chanceler Dolfuss, que se opunha à aproximação com a Alemanha”. “Havia austríacos favoráveis, mas os alemães se encarregaram de eliminar os opositores”. Quanto à Polônia, observa: “Os poloneses sofreram muito. Considerados inferiores, qual era o destino dos eslavos? A escravização ou a morte. A numerosa colônia polonesa em Curitiba deveria se erguer, pois a memória dos poloneses foi ofendida”.

Sergio Feldman recorre a dados lavrados por nazistas (R. Heydrich e Adolf Eichman, na Conferência de Wansee, em 1942), para informar que havia na época 11 milhões de judeus na Europa, dos quais quase 6 milhões foram aniquilados. “E se fosse 1 milhão? Seria um crime menor? Não se justifica, como não se justificam os assassinatos cometidos pela Rússia na Chechênia ou no Vietnã pelos EUA”.

Presença judaica

A idéia de que o ódio de Hitler pelos judeus tinha origem na presença judaica em cargos e posições estratégicas alemãs também é refutada: “Os judeus tinham uma presença proporcional à sua participação demográfica, de 1 a 2% da população. Ocorre que eles se sobressaíam em algumas áreas, como as artes, o que aumentava a participação da colônia para 15, 20% nesses setores, dando a impressão de uma presença maior”, lembra.

Mas não teria sido esta a razão da perseguição aos judeus: “Foi a derrota alemã na Primeira Guerra, o mito de que os social-democratas tinham apunhalado a Alemanha pelas costas. Como Friedrich Ebert, o primeiro ministro social-democrata, que, em 1919 assinou o humilhante tratado da Alemanha vencida era judeu, não foi difícil para os nazistas responsabilizar a colônia judaica pelos tempos de penúria que se seguiram.”

E o apoio popular? “Além da eficiência da propaganda nazista, creio que a população alemã se calou por medo. Mas não devemos esquecer que parte dos empresários alemães colaborou com o regime. Por isso, quando a guerra acabou, a Alemanha tratou de manter boas relações com Israel, e gastou milhões de marcos em indenizações aos judeus pelos bens e danos morais e materiais. Mas jamais vamos aceitar que se pague pelas vidas”.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo