Pelas janelas do trem que transportou o Brasil dos últimos dois séculos passaram fracassos rotundos e vitórias colossais. Entre os 14,5 quilômetros da primeira estrada de ferro, feita para conduzir a família real para o seu retiro de Petrópolis, e a globalizada sofisticação tecnológica das atuais ferrovias, alguns visionários foram maquinistas, entre avanços e recuos, de uma das mais belas viagens da história do País.
Essa história é contada no livro Na trilha das ferrovias, que está sendo lançado pela editora Reler, com o patrocínio da MRS Logística, uma das maiores empresas ferroviárias do Brasil, concessionária de parte da Malha Sudeste. Autor do texto, o jornalista Bertholdo de Castro conseguiu acrescentar novidade, graça e sentimento épico a fatos e personagens sempre tratados com frieza pelos livros escolares.
É bem verdade que o trem andou devagar. Em 1829, há exatos 176 anos, havia nos Estados Unidos mais do que o dobro da extensão de linhas férreas dos modestos 29.800 quilômetros existentes hoje no Brasil. Nem por isso, no entanto, deixa de ser uma trajetória riquíssima em personagens e gestos heróicos. A começar pela abnegação obsessiva de Irineu Evangelista de Souza, um gaúcho radicado na capital do Império cujo título de nobreza Barão de Mauá se confunde com a própria história da ferrovia no Brasil.
Rico, encantador, ousado, aventureiro, sonhador são adjetivos que acompanharam a vida deste homem que construiu a primeira estrada de ferro e trilhou polêmicas e mal-entendidos. Com festas e recepções na sua chácara de Santa Tereza, no Rio, adulava quem pudesse abrir caminho para os seus sonhos de empresário. Em 1852, quando fundou o Banco do Brasil, mais tarde nacionalizado, era dono de cinco dos seis maiores empreendimentos do País, que administrava com mão de ferro e métodos financeiros nem sempre ortodoxos.
O atrevimento de Irineu Evangelista não tinha limites. Provocou escândalo quando, na inauguração das obras da estrada de ferro Petrópolis, convidou Dom Pedro II ao gesto simbólico de carregar um carrinho de mão para despejar, com uma pá de prata, a primeira mão de terra no canteiro de obras. A corte e a imprensa reagiram chocadas com a inconveniência de induzir o imperador a fazer trabalho destinado exclusivamente a escravos.
Muita gente comentou na época que Dom Pedro II jamais perdoaria Irineu Evangelista pela petulância, mas não demorou muito para que ele ganhasse, do próprio imperador, o título de barão e, dos gaiatos da corte, piadinhas como esta:
? Se é para o Irineu, algo de Mau… há.
A primeira ferrovia já nasceu sob a fúria regulatória do estado. Um decreto tabelava o preço das passagens em ?1.500 réis para pessoas calçadas? e ?640 réis para pessoas descalças?, instituindo assim o primeiro caso de subsídio neste ramo de transporte.
Mas a colher de chá para a patuléia, que tinha que provar sua pobreza andando descalça, acabou suspensa, porque a maioria dos passageiros tirava os sapatos e os escondia numa sacola apenas para pagar menos pela passagem.
Na trilha das ferrovias -Editora Reler – 112 páginas -R$ 115,00.