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História de amor trans emociona Cannes

Tem Brasil e tem Martin Scorsese, o realizador de marcos como Os Bons Companheiros, no DNA de uma história de amor que fez o 72º Festival de Cannes suspirar – e repensar todos os seus preconceitos sobre identidade de gênero – no fim de semana: Port Authority, ligeira crônica sobre dança, paixão e transfobia dirigida pela estreante Danielle Lessovitz. Destaque da mostra Un Certain Regard (Um Certo Olhar), vitrine paralela à competição pela Palma de Ouro, o longa, ambientado na cena LGBTQ da dança (vogue é o estilo em foco) de Nova York, é produzido pelo carioca Rodrigo Teixeira e sua RT Filmes (de Me Chame pelo Seu Nome).

Danielle narra o enamoramento entre o jovem Paul (Fionn Whitehead) e Wye, diva adolescente de um grupo de dançarinos gays, vivida por Leyna Bloom (que coleciona elogios na Europa). A relação entre eles corre no auge do encantamento até que ele descobre que ela é uma mulher trans.

“Não existe nada mais bizarro no mundo de hoje do que a ideia antiquada de ‘normalidade’ na identidade sexual, sendo ‘norma’ o padrão de homem e mulher cis. Foi inquietante, em certo momento, perceber que diante de um movimento tão potente visualmente como é o vogue, estávamos menos interessados em filmar danças e mais preocupados em falar de diferenças no jogo das relações amorosas”, disse Danielle. “A homo e a transfobia ainda são sequelas da masculinidade.”

Apoiada por conselhos de Scorsese durante todo o processo (“Este filme fala de um mundo que ele respeita e quer entender mais”, diz a diretora de 37 anos), Danielle buscou uma trupe de intérpretes não conhecidos do público. Seu esforço era evitar que a fama de algum ator conhecido pudesse ofuscar a relação de descoberta que tenta retratar. “Relações transgênero em Nova York são comuns. Mas em muito lugar, jovens cis ainda se sentem ‘menos homens’ por amarem mulheres que aparentam um traço masculino de base no corpo”, diz Danielle.

Na sequência da boa acolhida a Port Authority, Teixeira trouxe mais um filme para Cannes, na Quinzena dos Realizadores: o thriller psicológico de tons fantasmagóricos The Lighthouse, que virou acontecimento pop da Croisette. O motivo: diretor do cultuado horror A Bruxa (2015), Robert Eggers confiou um dos papéis centrais de seu filme para o recém-anunciado novo Batman, o inglês Robert Pattinson. Astro da saga Crepúsculo, Pattinson abre mão de sua verve galã num papel nas raias da barbárie: ele e Willem Dafoe são faroleiros em uma ilha inglesa, em 1890, onde a insanidade se materializa em porres, delírios e numa suposta sereia.

Na competição oficial, Dor e Glória, do espanhol Pedro Almodóvar é o mais elogiado dos 11 concorrentes à Palma de Ouro já exibidos: daqui até sexta-feira, tem mais dez, no páreo, para serem projetados. Esta segunda-feira é dia da Bélgica dos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne, na disputa com O Jovem Ahmed, e do cinema indie americano, com a comédia dramática Frankie, de Ira Sachs, filmada em Portugal, com Isabelle Huppert falando inglês.

Fala-se por todo canto do balneário do favoritismo de Dolor y Gloria, título original do mais recente “almodrama” (termo cunhado por Caetano Veloso, amigo do cineasta), centrado em balanço afetivo de um realizador e escritor (Antonio Banderas) abalado por problemas de saúde e emocionais. Mas um rival à altura se fez aplaudir na telona do Palais des Festivals no domingo: A Hidden Life, de Terrence Malick. Após uma safra de filmes recentes de linha messiânica, calcados em seus estudos da filosofia transcendentalista, como A Árvore da Vida (Palma de 2011), o veterano realizador aplica seus ensaios sobre fé no contexto da 2ª Guerra. A aparição do mítico ator suíço Bruno Ganz (1941-2019), num momento crucial da trama, foi saudada com aplausos.

Em seu novo trabalho, o mais sóbrio e contundente desde Além da Linha Vermelha (Urso de Ouro em 1999) recria a saga do fazendeiro austríaco Franz Jägertätter, que se recusou a lutar em prol dos nazistas. Fala-se por aqui de um duplo prêmio de melhor atuação para o filme: August Diehl (de O Jovem Karl Marx) no papel central e Valerie Pachner como Fani, a mulher de Franz.

Há uma torcida forte também pelas possíveis láureas para dois diretores franceses de origem africana, ambos negros: Mati Diop, realizadora de Atlantique, e Ladj Ly de Les Misérables. Primeira mulher negra a disputar a Palma, Mati construiu uma história de amor sobre uma jovem de Dacar que sonha rever o namorado, antes de embarcar num casamento arranjado. Já Ly, cuja família é do Mali, filma os subúrbios de Paris em trama sobre um trio de policiais que provocam um conflito após ferirem um menino que roubou o filhote de leão de um circo.

Concorrente brasileiro, Bacurau, de Juliano Dornelles e Kleber Mendonça, sobre uma cidade do Nordeste que sofre o ataque de um grupo de estrangeiros armados, segue recebendo elogios na cidade. Cannes termina dia 25, com a entrega de prêmios.

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