Foto: Anderson Tozato/O Estado |
Integrantes do Consciência Suburbana, da esquerda para direita, Marinho, Jeff, Cipó, Pepeu e Jamaica. continua após a publicidade |
O hip hop, movimento originário dos guetos e redutos de negros norte-americanos, ganha cada vez mais força no Brasil. A disseminação dessa nova "onda", que teve início nos anos 80s, está diretamente ligada à essência libertária inerente às grandes periferias, formada por excluídos do sistema capitalista.
Composto inicialmente por quatro elementos culturais -rap (letra), break (dança), DJ (som) e arte em grafite (arte), os brasileiros mais engajados reforçam um quinto elemento: a consciência social. Ou seja, usar o movimento como voz de protesto às injustiças sociais, o que ganha força através das letras que contam histórias reais, refletindo angústia e protesto.
O status de válvula de escape adquirido pelo movimento, rendeu e vêm rendendo altos estudos antropológicos, sociológicos e psicológicos. O psicólogo Guilherme Scandiucci, por exemplo, fez uma análise aprofundada da relação do hip hop com a psicologia jünguiana. "A análise realizada concluiu que o hip hop tem grande força de expressão simbólica na construção de uma "persona criativa" dessa população, conferindo-lhe possibilidade de assumir uma identidade mais próxima de sua realidade", diz Guilherme em seu estudo, inspirado no movimento desenvolvido nas periferias de São Paulo.
A afirmação é reforçada por dados reais. Não é preciso ir muito longe para ver os reflexos do movimento pela cidade, especialmente fora do reduto considerado burguês. "Na periferia, o hip hop existe da forma mais forte, enquanto movimento social. Não tem a ver com o modismo embalado pelo som vindo dos Estados Unidos. Tem a ver com alma", diz o DJ Jeferson dos Santos, o Jeff, do grupo Consciência Suburbana.
Para os jovens que vivem a essência do hip hop, empunhar um microfone representa o encontro com a própria identidade, formada de uma vida marcada por luta pela sobrevivência e contra o preconceito arraigado na sociedade capitalista. Os adeptos do hip hop se consideram guerreiros urbanos, que na verdade promovem uma luta pacífica para serem ouvidos e encontrarem o respeito que merecem do mundo em que vivem.
Movimento ainda é alvo de preconceitos
Originalmente vinculado aos afrodescendentes que vivem em comunidades de periferia, o que os coloca sociologicamente na categoria dos excluídos, o hip hop e seus adeptos também são alvo de preconceitos. Por sinal, esse é um tema bastante difundido pelo movimento.
Um dos articuladores do grupo Consciência Suburbana. Jéferson dos Santos, o Jeff, transita livremente em ambientes freqüentados pelas classes média e alta, mas denuncia. "Existe muito preconceito em relação a nossa cor da pele, pela origem humilde e pela roupa que vestimos, por mais que o modismo do hip hop tenha se propagado em outros meios", diz.
Ele se refere ao número crescente de casas noturnas que promovem noites dedicadas ao hip hop, na qual ele trabalha como DJ. "As mesmas pessoas que estão ali se dizendo adeptas do hip hop, fecham o vidro do carro ao ver um afrodescendente de origem humilde se aproximar. É o mesmo que olha diferente para alguém vestido no estilo hip hop", diz o articulador.
Para o grupo, o modismo do hip hop propalado pelos norte-americanos 50cent, Nelly e outros produtos comerciais, está mais vinculado à uma febre do que ao movimento em si. "As pessoas, muitas vezes, querem só curtir o som e dançar. Nem sabem o que realmente significam as letras ou sequer prestam atenção", diz Jeff.
Letras
Diferente do que hoje se faz no circuito comercial, as letras do grupo Consciência Suburbana não negam a origem e contam histórias da vida real, que soam como protesto ou, muitas vezes, como alerta. "Muitas pessoas falam que o hip hop quer fazer sucesso se prevalecendo da desgraça dos outros. Não é verdade. Nós usamos as histórias dramáticas para alertar as pessoas sobre os caminhos a seguir", diz Mário de Lima, o Marinho, autor de boa parte das letras do grupo. (GR)
Grupo desenvolve ações na capital e RMC
O grupo Consciência Suburbana surgiu após uma briga na qual estavam envolvidos dois dos atuais integrantes: Jucimar Estevão Rosa, o Cipó, e Célio Roberto Pereira de Oliveira, o Jamaica. Os dois freqüentavam uma boate na região do bairro Santa Cândida, e decidiram fazer do conflito o ponto de partida para a divulgação da consciência da periferia através da cultura do hip hop. O ano era 1997, quando o movimento ganhava cada vez mais força em Curitiba e na Região Metropolitana (RMC).
"Na verdade, o movimento começou a se espalhar no início dos anos 90s, como uma voz de protesto vinda da periferia. No início, só cantávamos, mas aos poucos começamos a nos envolver com trabalhos sociais", diz Cipó, o vocalista do grupo.
Em resumo, a turma não se contentou em apenas passar as palavras letradas de conscientização através do rap, mas também usar a força do hip hop como transformador social.
O primeiro projeto de grande sucesso foi o hip hop nas escolas, que uniu os estudos de Língua Portuguesa com as letras das músicas. "Os estudantes faziam análise sintática dos textos, absorvendo as mensagens de conscientização que passamos", diz Jamaica. Com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Paraná (APP-Sindicato), a parceira veio nas artes plásticas, desenvolvendo oficinas e trabalhos em grafite.
O trabalho do grupo não se limitou aos estudantes, pois um dos objetivos do hip hop é promover a inclusão social. "Iniciamos um trabalho de oficinas dentro da Penitenciária Central do Estado (PCE), com o intuito de transformar a raiva dos detentos em poesia." O projeto foi interrompido devido a uma rebelião no presídio, porém a força do hip hop junto aos detentos continua forte, através de um programa de rádio da Capital AM, que vai ao ar diariamente das 23h às 0h.
"O programa fala tão dentro deles que, em um dos educandários de Curitiba, prorrogou o horário de recolher para que os garotos possam ouvir o programa", diz Cipó.
"Uma coisa foi puxando a outra", diz Fernando Jorge Cabral Silva, o Pepeu. Ele defende a influência positiva do hip hop inspirando-se na própria história de vida. Carioca, ele foi envolvido com o crime, tem marcas de bala no corpo, foi detido, mas encontrou um novo caminho por meio do apelo sócio-cultural do hip hop. "Assim como consegui sair, muitos podem sair."
A consciência do apelo social do hip hop fez com que o grupo definisse o quinto elemento do movimento como a consciência, que aliada ao rap (letra), ao break (dança), ao DJ ("batida" – som) e ao trabalho em grafite (arte), formam a base do hip hop defendida por Afrika Bambaata, um dos principais entusiastas do movimento.
Declaradamente militantes, os membros dos grupos promoveram no último final de semana um encontro paranaense, cujo ápice foi a premiação dos melhores grupos de Curitiba e Região Metropolitana. "Tem muita gente que se diz adepto do hip hop, mas sequer conhece os grupos. Esse encontro serve para essa propagação", diz Cipó. (GR)
Projeto adaptado em cinco estados
O elemento de inclusão social, propalado pelo hip hop vem avançando fronteiras. A Organização Não Governamental (ONG) MH2O, do Ceará, desenvolveu um trabalho que deu tão certo, que foi escolhida para adpatar o mesmo projeto em cinco estados, dentre eles o Paraná, com recursos provenientes do governo federal.
Trata-se de uma parceria com a Secretaria Estadual do Trabalho, da Educação e das delegacias regionais do trabalho. O intuito é garantir a jovens de 16 a 24 anos, o primeiro emprego.
Segundo Sávio Felix, coordenador do processo administrativo, o projeto baseia-se na criação de pequenas empresas ligadas ao movimento hip hop. "A intenção é criar uma produtora de eventos, um estúdio de gravação de CD e um centro de produção de estilos, nos seis meses previstos para o projeto", diz entusiasmado. Nos primeiros três meses, os jovens escolhidos – de 35 a 50 para cada oficina – passam por estudos de plano de negócios e, nos três meses seguintes, colocam a mão na massa. "É uma ótima oportunidade de primeiro emprego, que casa perfeitamente com o crescimento do movimento hip hop em Curitiba e Região Metropolitana." O projeto foi lançado oficialmente na semana passada, na Escola Estadual Santa Cândida.
Esperança
Uma das jovens que está pleiteando uma vaga no programa, Edilaine da Rocha Ferreira, faz parte do grupo de break, a expressão de dança do hip hop. Ela conta que o programa de empregos vai ajudar a quebrar um pouco o preconceito que cerca o movimento. "Muitas pessoas acham que quem curte hip hop é "maloqueiro". É porque não conhecem o poder de transformação do movimento", diz. Ela confessa que se envolveu com entorpecentes quando mais jovem e que, após começar a freqüentar aulas de break no centro de recuperação, recuperou a esperança. "O movimento é do bem e certamente tira muitos jovens do caminho errado."
O mesmo aconteceu com Max Souza Chepluki, líder da turma do rap. Ele conta que esteve preso e que o hip hop o tirou do crime. "O hip hop nos permite protestar contra as injustiças sociais ao passo que nos mantém ocupados." (GR)