Eles se juntaram primeiro antes mesmo de São Paulo ser uma possibilidade. Viviam no Recife pelo início dos anos 60, quando Heraldo do Monte insistiu para que seu amigo alagoano, Hermeto Pascoal, tocasse na boate Delfim Verde, na Praia de Boa Viagem. Hermeto foi sincero. Acostumado com o peito colado na sanfona, não saberia correr as mãos como aranhas nas teclas de um piano. Heraldo fez a estratégia. “Toca só com a mão direita. Quando o gerente aparecer, eu fico na frente da sua mão esquerda para ele não perceber que ela não está tocando.”
Hermeto Pascoal e Heraldo do Monte caminharam juntos por esses anos. Já em São Paulo, iriam dividir os louros das conquistas do efêmero Quarteto Novo, mesmo que ele deixasse para a posteridade apenas um álbum. Pensaram juntos os arranjos de uma música aberta mas pré-arranjada, sem as liberdades de improvisos que marcariam suas vidas. Sessenta anos e meio depois, eles se reencontram em um palco para uma apresentação sem nenhuma marcação prévia.
O único encontro que tiveram antes dos shows que irão mostrar neste sábado, 11, e domingo, 12, no Sesc Pinheiros, foi um jantar previsto para a noite de ontem, 10. “Vamos conversar para saber se aparece alguma ideia que a gente possa seguir”, diz Hermeto, por telefone, de um hotel de São Paulo. Heraldo diz que seu parceiro não pretende se apegar a nenhuma das faixas do único disco lançado pelo Quarteto Novo, do qual os dois fizeram parte, além do baixista Theo de Barros e do baterista e percussionista Airto Moreira. “Ele não gosta dessa ideia.”
Hermeto diz que não quer ir para o palco com nada muito combinado. “Eu nunca sei o que vou tocar. Quando anunciam meu nome na hora do show, apenas escolho a primeira música e depois sigo ou não uma lista que fazemos. Eu sempre mudo muita coisa.” Acertar detalhes com Hermeto Pascoal é uma missão ingrata. Ele diz que já havia “cortado o barato do pessoal” quando ouviu a determinação de que o Quarteto Novo não poderia soar jazz. Antes de ser quarteto, o Trio Novo, sem Hermeto, havia sido formado para acompanhar Geraldo Vandré em apresentações e gravações. Hermeto acredita que Vandré, que tinha um discurso mais nacionalista, pode ter sido o autor da determinação.
“Acho que foi ele. Mas eu logo disse que não acreditava em música pensada como se fosse um molde. Música tem de ser sentida antes de virar teoria. Foi por isso que resolvi chamar o que faço de música universal.”
Hermeto sente hoje, mais de seis décadas depois, que Geraldo Vandré, que o grupo acompanhou na música Disparada, não era o melhor representante de uma proposta de linguagem que o quarteto gostaria de desenvolver. “O som do Quarteto destoava da proposta do Vandré.” Ele sentiu o contrário quando o grupo tocou Ponteio, com Edu Lobo.
“Sem desmerecer o Vandré, o trabalho com o Edu Lobo ficou mais interessante.” Heraldo considera que os melhores momentos de improviso do Quarteto Novo não estão no disco de 1967. “Fizemos melhor esses improvisos nos shows. Naquele tempo a gente ensaiava muito, nossa ideia era criar uma nova linguagem de improvisação.”
Vida que segue
Os dois amigos têm hoje 80 anos. Heraldo está em turnê de seu mais recente disco. Ele toca choro na viola, temas próprios e composições como Lamentos (Pixinguinha e Vinícius de Moraes) e Doce de Coco (Jacob de Bandolim). Em 2016, o álbum foi indicado ao Grammy Latino na categoria melhor disco de música de raízes brasileiras, mas perdeu a briga para o disco AR, de Almir Sater e Renato Teixeira.
Hermeto segue também em ação em seus 80 anos. Já fez alguns shows para comemorar a data, com exposição de objetos em que escreve suas músicas, e se preparar para participar, às 15h, no Café do Instituto CPFL, na quarta, 22, de um bate-papo com jornalistas na abertura do Festival de Música Contemporânea, em Campinas.
HERMETO PASCOAL E HERALDO DO MONTE
Sesc Pinheiros. Rua Pais Leme, 195. Sáb. (11), 21h; e dom. (12), às 18h. De R$ 12 a R$ 40. 3095.9400.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.