Helena Kolody – imortal paranaense

Não, o Paraná não perdeu sua maior poeta, símbolo da cultura autêntica do Estado, no sábado passado. Não se “perde” uma poeta. Em primeiro lugar porque a obra dela está imortalizada para que as futuras gerações se deliciem com sua poesia e também sua prosa. E depois porque Helena Kolody viveu bem, viveu intensamente, criou arte por meio de seus versos, como se cada palavra fosse pintada com o cuidado de um gênio renascentista. Ela criou amigos, histórias e esteve envolvida nas mais diversas manifestações culturais do Paraná e do Brasil. Sim, Helena era respeitada e não foi essa perda. As pessoas devem prestar reverências, condolências e, cada um que goste de arte, permita que a obra da poeta lhe sirva de inspiração, seja qual for sua atividade.

Seu enorme coração trabalhou não apenas 91 anos, mas 182, porque ela vivia em dobro cada instante. Helena participava de quase tudo que era convidada, desde rituais para plantar uma árvore até formaturas, passando por visitas aos amigos, inaugurações, e passeios pelos parques da cidade.

A poeta estava internada na Santa Casa de Misericórdia desde a quinta-feira – foi a terceira internação em menos de dois meses. No domingo, amigos e familiares prestaram a última homenagem a Helena Kolody. O corpo foi sepultado no Cemitério Municipal. Considerada uma das maiores referências literárias no Estado, Helena Kolody dedicou sua vida à poesia. Publicou 22 livros no Brasil e teve uma das obras, Viagem no Espelho, traduzida para o italiano e ucraniano. Desde 1991 ocupava a cadeira n.º 28 da Academia Paranaense de Letras (APL).

“Ela poderá um dia ser sucedida, mas nunca substituída, dada a dimensão de sua figura humana e rara inteligência”, afirmou o presidente da APL, Túlio Vargas. “Só o tempo poderá dimensionar a falta que ela nos fará.” Para a poeta e amiga pessoal Adélia Maria Woellner, a morte de Helena Kolody “é uma perda insubstituível.” “Não só pela qualidade de vida, repleta de princípios, integridade, emoções, como pela maneira que ela tratava a todos, sempre com serenidade, humildade”, afirmou. “Pena que o Brasil ainda não descobriu Helena. Ela merecia destaque como Mário Quintana”, lamentou Adélia.

O prefeito Cassio Taniguchi confessou ser leitor de Kolody. “Eu chego a citar alguns versos de Helena Kolody no fim das minhas falas”, afirmou o prefeito, acrescentando que a poeta era “nossa musa inspiradora”.

Bastante abalada estava a irmã Olga Kolody, 88. As duas moravam juntas em um apartamento no centro. “Nossa outra irmã morava com a gente, mas já morreu. Agora foi Helena”, afirmou Olga, inconsolada.

Amor impossível

Helena Kolody nunca se casou. Também não deixou filhos. Apesar disso, sempre demonstrou extrema felicidade, generosidade, cordialidade. “Ela era uma pessoa por quem todos se apaixonavam. Ao mesmo tempo que era extremamente lírica, era divertidíssima, engraçadíssima”, contou o editor Roberto Gomes, que passou a editar os livros de Helena Kolody em 1985. O último foi Poemas de um amor impossível. “São poemas que contam a história de um amor impossível de sua vida. Algo que ela não conseguiu realizar”, explicou. Segundo Roberto Gomes, talvez pelo fato de não ter sido mãe, Kolody dizia que adotava como filhos aqueles de quem gostava.

Helena Kolody havia parado de escrever poemas há anos. “Parei de escrever porque não tenho mais os sonhos de antigamente. Eu sonhava os poemas”, revelou a poeta em uma das últimas entrevistas à Tribuna, em outubro de 2002. Apesar de não escrever mais, Helena ainda recitava muitas de suas poesias. “Ela entrou na UTI dizendo versos”, contou Chloris Casagrande Justen, presidente do Centro Paranaense Feminino de Cultura e amiga pessoal que a acompanhou no hospital.

Koloda, Pilão, Pilastra

Paulo Leminski

Para Oksana Boroshenko, Nádia e Vitório Sorothiuk, ucranianos do Paraná, como ela.

Tudo está prenhe de mistérios, segredos e enigmas, como está de questões e perguntas meu coração e minha inteligência.

Enigmático, o nome de nossa dama, Notre Dame, Helena Kolody, padroeira da poesia em Curitiba, como a chamei um dia e depois dezenas imitaram e repetiram, imitarão e repetirão.

O nome “Helena” remete, imediatamente, para o leitor medianamente informado e lido, à mulher do rei Menelau, mulher que não contente em provocar a guerra de Tróia ainda inspirou nosso grande pai comum, Homero, o rapsodo cego que cantou Aquiles e Ulisses.

Helena, o prêmio dado por Afrodite ao príncipe Páris pelo primeiro prêmio no pleito que ganhava contra Juno e Atena.

Helena, a mais bela das mortais, a mulher pela qual milhares de homens morreram durante dez anos e afundaram naus.

Kolódia, Kolody.

Kolóda, em ucraniano, em russo, é o primeiro (“kolotuschka”, em polaco). O pilão de moer milho, o pilão, trabalho humano, batendo na natureza bruta, na cava, no cereal, no grão.

Beleza mítica e eslavo trabalho agrícola, nossa padroeira, bem-vinda sempre a luz dos teus olhos azuis à cidade de Nossa Senhora da Luz.

O Paraná perdeu um dos maiores ícones da poesia. Helena Kolody, de 91 anos, morreu na noite de sábado.

Rica biografia da professora Helena

Helena Kolody nasceu a 12 de outubro de 1912, em Cruz Machado, no sertão sul paranaense, filha de ucranianos. Em 1931 formou-se professora normalista pela Escola Normal Secundária de Curitiba e, no ano seguinte, foi nomeada professora para o Grupo Escolar Barão de Antonina, de Rio Negro.

De 1933 a 1937 trabalhou na escola de Ponta Grossa e, depois, foi transferida para a Escola Normal de Curitiba (atual Instituto de Educação do Paraná), onde lecionou por 23 anos consecutivos, interrompidos em 1944, quando prestou serviços na Escola de Professores de Jacarezinho.

Em 1941, publicou seu primeiro livro intitulado Paisagem interior, classificado em segundo lugar no concurso de poesia promovido pela Sociedade de Homens de Letras/RJ (1942). No ano de 1949, o livro A sombra do rio recebeu o terceiro lugar no Concurso de Livros do Centro de Letras do Paraná, e o Prêmio Ismael Martins; este livro foi publicado em 1951 pelo mesmo centro.

Vivendo de poesia

Desde criança, apaixonou-se pelas palavras. Era a senha para dedicar a vida à poesia. Aprendia de cor os versos dos livros de leitura para cantá-los com a música dos hinos escolares. “Um brinquedo fascinante” – embala-se a nossa heroína.

“No meu tempo de novíssima”, sentiu a necessidade de fazer versos. Não sabia como, foi “cometendo”, mas não os mostrava a ninguém. Eles surgiam sem muito rigor e métrica.

“Às vezes meus poemas vêm por inteiro, são os poemas vivíparos. Eles são os melhores e geralmente dormiram muito tempo dentro de mim. Outras vezes, é só um núcleo de poemas, os ovíparos, que têm que ser chocados. Eles se estruturam devagar. E, de repente, nasce a ave, porque há um longo processo de celebração inconsciente.”

Não demorou e teve que aprender a versificar à moda de Olavo Bilac. Envolveu-se pelos arraiais do soneto – quase uma lei para um poeta iniciante, o paradigma-mor da poesia. Dele – quando estréia com Paisagem interior (1941) e reincide em Música submersa (45) – para o haicai o amadurecimento de um estilo que acabou virando marca. Tudo avant la lettre em relação ao concretismo da década seguinte. Helena Kolody é uma precursora até da poesia marginal dos anos setenta.

Casta poeta, poeta casta, Helena – já morando em Curitiba, professora normalista (ensinou biologia durante anos, foi inspetora de ensino até se aposentar) – noivou por dois meses (então com 32), mas nunca casou. “O amor ficou sendo só um sentimento, um sonho – confidencia – e as minhas alunas, as filhas que não tive”.

Só depois dos 73 anos é que Helena Kolody teve o primeiro livro financiado por uma editora. Até então, cuidava da escolha do papel à capa, da costura ao lançamento leitor a leitor, e pagava a conta. Por pudor, jamais fazia noite de autógrafos.

A arte nasce de uma sem-razão. A arte não persegue outro fim que não seja a sua própria realização, é tão indiferente à preocupação utilitária, tão avessa ao aspecto econômico, que sei de pintores que se recusam a vender seus quadros. Vocês não acham que parece um sacrilégio o autor vender seu livro?

Hoje, espalhada pelo Brasil afora, sua obra – reconhecida desde Andrade Muricy, por Drummond e Cecília Meirelles até Paulo Leminski – já é de ampla fruição cult, prenúncio para a sua definitiva inserção entre os mais importanates poetas brasileiros de todos os tempos.

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