O grupo pernambucano Mestre Ambrósio surgiu no manguebeat, nos anos 1990, sob a forte influência das tradições nordestinas – e do experimentalismo. Outras bandas que fizeram parte desse importante movimento musical, como Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, continuam na estrada até hoje. Já Mestre Ambrósio encurtou sua trajetória e chegou ao fim em 2004. Antes, a trupe chegou a pensar num 4.º disco, mas Helder Vasconcelos, um dos fundadores da banda e que nela tocava percussão e fole de oito baixos e era vocal, achava que estava na hora de seguir outro caminho.

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Naquele ano de 2004, Helder, que também é ator e dançarino, fez seu último show com Mestre Ambrósio em janeiro e, em julho, já estreava o primeiro espetáculo solo no teatro, Espiral Brinquedo Meu. Os outros integrantes do grupo acabaram embarcando em outros projetos e a banda se desfez. “Chegou um momento em que eu precisava mergulhar profundamente no pensamento cênico. E a banda, por mais abertura que tivesse, seria uma proposta de show de música”, justifica o multi-instrumentista pernambucano.

Em 2007, ele estreou um outro espetáculo, aquele de dança, chamado Por Si Só. E, agora, fecha a trilogia com o espetáculo musical inédito Eu Sou, que será apresentado desta sexta-feira, 17, a domingo, 19, no Sesc Pompeia. As apresentações, aliás, encerram a Ocupação Helder Vasconcelos, que está sendo realizada no local desde o começo deste mês e reuniu na programação também os dois trabalhos solos anteriores do artista, além de oficina e palestra.

No espetáculo musical, Helder mostra o repertório de seu novo disco, Sambador, seu primeiro autoral da carreira. A combinação apresentação e álbum marca sua volta à cena musical, 12 anos depois de sua saída do Mestre Ambrósio, período em que se dedicou às artes cênicas.

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E o que o motivou a esse retorno à música após tanto tempo? “Acho que a palavra-chave continua a ser necessidade. O meu fazer artístico cumpre primeiramente essa função de atender a uma necessidade específica de aprofundamento, de conhecimento, autoconhecimento. Obviamente, você cria e isso só faz sentido quando você apresenta. Então, essa motivação pessoal primeiro e depois chegar ao mais profundo por meio do outro é o que me move nos três espetáculos”, explica Helder. Mas, segundo ele, há algo ainda mais específico que estimulou essa sua volta ao contexto da música: ver como esse mesmo impulso criador se manifesta nas três frentes – música, dança e teatro. “Eu já tinha o espetáculo de teatro e de dança. Então, pensei: ‘isso é uma trilogia’. E esse terceiro espetáculo é para música. É como se fosse fechar um ciclo de um pensamento artístico, que pode se manifestar nesses três segmentos.”

O álbum Sambador reconecta Helder Vasconcelos aos ritmos regionais e à tradição, como nos bons tempos de Mestre Ambrósio. E abre um amplo leque de sonoridades. Ele canta até em inglês, com gracioso sotaque pernambucano, em Butterfly – que, de tão singela, soa até como uma canção de ninar. Mesmo durante o período em que a música não era seu foco, Helder continuou a compor. “A composição não era a prioridade da minha vida, mas eu sempre tinha coisas. Quando pensei em projeto de música e quis fazê-lo com todos os procedimentos – CD e show -, fui trabalhar essas ideias que estavam ali: um refrão, uma ideia, uma coisa já meio gravada. Então, foi a hora de organizar isso.”

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O álbum, portanto, foi seu ponto de partida. Escolheu as músicas para depois pensar como elas apareceriam ao vivo, dentro de um contexto cênico. É que, apesar de ser um espetáculo de música, o artista leva para dentro dele o teatro e a dança. “Fui bem livre para gravar. Eu queria canções com letras, não queria música instrumental, e elas seriam a prioridade. Assim, todos os arranjos, os ritmos, eles partiriam das letras, do que elas pediam”, diz Helder, que assina a produção do disco com Marco França e Johann Brehmer – os três também executam os instrumentos das canções.

Sambador chega depois desses 12 anos de pausa na música. Para o músico, teria sido importante esse período para ele se desprender do Mestre Ambrósio e cunhar a própria identidade musical? “Nunca pensei diferente entre música, dança e teatro, mas esse foi um tempo para entender e absorver a minha maneira de realizar isso. Não foi algo programado, é o tempo que a própria criação vai pedindo. Acho que a criação tem uma força própria e o artista se coloca a serviço dela.”

Mestre Ambrósio faz lembrar manguebeat, movimento musical que completou 20 anos em 2014. Helder se recorda que aquele foi um momento intenso. “O manguebeat foi uma reação a algo que estava acontecendo, engessando, restringindo uma cidade (Recife). Ela era rica, pulsante, mas precisava ser movimentada”, analisa ele, que vive na capital pernambucana. “Acho que foi um movimento tão irreversível, juntando-se com outros movimentos, que a cidade não foi mais a mesma. Acho que a intensidade hoje do Recife é um movimento muito social. Essa questão do ocupar, resistir. Onde isso se formaliza é no Cais José Estelita (cujos galpões seriam demolidos para a construção de um grande empreendimento). Está todo mundo pensando muito ‘que cidade que a gente quer’ de um jeito mais abrangente. Não é mais um movimento de música como foi, mas um momento muito intenso novamente, com outro aspecto, de outras formas.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.