Em outubro, quando Meu Amigo Hindu abriu a Mostra, Hector Babenco parecia eufórico. Disse ao repórter que o filme autobiográfico sobre um cineasta que se trata de câncer nos EUA não deixava de ser um acerto de contas com o passado, e com ele mesmo. Encerrava uma fase. E o futuro, Hector? Ele estava cheio de planos, mas, como sempre, queixava-se das dificuldades de captação no País. “Estou muito velho para ficar rodando pires em busca de recursos.” Velho, Babenco? Em fevereiro, dia 7, Babenco completou 70 anos. Estava cheio de projetos. Não verão a luz. Não com ele.

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Na quarta-feira, 13, Hector Babenco morreu no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, às 22h50. Havia sido internado um dia antes para um procedimento simples, do qual estava se recuperando quando teve uma parada cardiorrespiratória. Mas a verdade é que já não andava bem. O linfoma voltara e, em suas últimas aparições, dava para perceber que se debilitava.

O velório será realizado nesta sexta, 15, no Salão Nobre da Cinemateca Brasileira (Largo Senador Cardoso, 107), das 10 às 15 h. Babenco deixa duas filhas, Janka e Myra, duas netas e a mulher, Barbara Paz, a quem dirigiu no teatro e no cinema. Sua morte provocou manifestações de pesar em todo o meio artístico.

Ele foi um grande – e um ‘self made man’. Babenco tinha 19 anos quando veio para o Brasil. Era cinéfilo de carteirinha, como mostrou em um de seus filmes autobiográficos, que não representam o melhor de sua obra. Coração Iluminado é sobre o jovem Babenco, na província argentina. Poderia ser um boa-vida de Federico Fellini, numa cidade marítima como Rimini, e era Mar Del Plata. Sentia-se mais como um desgarrado Antoine Doinel latino, e suas paixões o direcionavam para a nouvelle vague (e François Truffaut). No Rio, começou bem de baixo, como vendedor. Fez-se, na marra, cineasta. Estreou em 1975, aos 29 anos, com O Rei da Noite, interpretado por Paulo José e Marília Pêra, mas há controvérsia. Seu nome aparece na ficha técnica do Dicionário de Filmes Brasileiros, de Antônio Leão da Silva Neto, como codiretor (com Roberto Farias) de O Fabuloso Fittipaldi, feito dois anos antes.

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Fittipaldi, mesmo se fosse um filme de Babenco, seria um acidente de percurso. Salvou-o, como diz Arnaldo Jabor, ter vindo para São Paulo. A partir de O Rei da Noite, o foco é outro. De cara, o filme valeu a Paulo José o Candango de melhor ator em Brasília. O filme portenho/paulistano de Babenco, ou de como um certo Tertuliano inicia sua trajetória na noite de São Paulo. Foi um primeiro êxito, e respeitável. Logo veio, em 1977, Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, primeira de uma série de adaptações de Babenco – no caso, de José Louzeiro. Aos 31 anos, e forçando a incipiente abertura do regime cívico-militar, Babenco aponta a conexão entre esquadrões da morte, aparato repressivo da polícia e os porões da ditadura. Dessa vez foi em Gramado que Reginaldo Faria ganhou o Kikito de melhor ator, um dos quatro atribuídos ao filme, sendo os demais melhor fotografia (Lauro Escorel), montagem (Sylvio Rinoldi) e ator coadjuvante (Milton Gonçalves).

Naquele mesmo ano, Lúcio Flávio recebeu o prêmio da 1.ª Mostra, selando a ligação de Babenco com o evento de cinema que tem a cara de São Paulo. Para ninguém dizer que um estrangeiro se imiscuíra nos assuntos internos brasileiros, o cineasta se naturalizou. Foi assim, como brasileiro, que ele afrontou a censura com Lúcio Flávio e, na sequência, em 1982, escancarou a violência da infância abandonada e carente do Brasil. Pixote, a Lei do Mais Fraco marcou um salto e tanto. Lançado nos EUA, o filme tornou Babenco internacional, e Marília Pêra ganhou o prêmio de melhor atriz dos críticos de Nova York. A realidade das Febems, a transformação de menores em criminosos – e o próprio ator Fernando Ramos da Silva, com o codinome de Pixote, virou referência no mundo do crime. Não faltaram críticas a Babenco – aproveitara-se do garoto, não o preparara para sua frágil celebridade. O cineasta refutava as acusações, forçando o País a encarar a falência do seu sistema de reeducação e integração de menores considerados delinquentes.

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Internacionalizado, fez, com resultados desiguais, O Beijo da Mulher Aranha, com Sonia Braga – e que deu a William Hurt o prêmio de melhor ator em Cannes e o Oscar de Hollywood -, Ironweed, com Jack Nicholson e Meryl Streep, e Brincando nos Campos do Senhor, com Tom Berenger. Três adaptações – de Manuel Puig, William Kennedy e Peter Mathiessen. Em 1990, concluído o último, descobriu que estava com câncer (linfoma) e iniciou um tratamento que se prolongou por vários anos. Em 1998, surgiu Coração Iluminado, e Babenco admitiu, mais tarde, para o repórter, que havia feito o filme errado, matando a personagem interpretada por Xuxa Lopes, sua mulher na época.

Em 2003, colheu seu maior sucesso de público no Brasil com Carandiru – O Filme, que assinalou seu retorno ao tema da ética da criminalidade e tem cenas de antologia. Depois, só mais dois filmes, ambos com elementos autobiográficos, O Passado e Meu Amigo Hindu. Mesmo que não tenha feito mais nada tão grande como Pixote, Babenco deixou sua marca no cinema brasileiro, oferecendo uma alternativa – estética, política e social – ao cinema novo. Não representam pouco os elogios que lhe fazem, aqui, dois luminares do movimento, Cacá Diegues e Arnaldo Jabor.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.