Em 1990, o escritor cubano Leonardo Padura começou a escrever o romance Passado Perfeito, no qual surgia o investigador Mario Conde. Apesar de observar que a trama é fictícia, Padura revelou o detalhe que tornou sua escrita especial: a de utilizar a investigação de um crime para explorar a realidade de seu país. Satisfeito com a empreitada, o autor decidiu produzir outras três obras que, além de acompanharem um ano na vida de Conde, compreenderiam também as quatro estações.

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Nascia a tetralogia Estações Havana, recentemente publicada em bloco pela Boitempo. Assim, se Passado Perfeito transcorre no inverno de 1989, Ventos de Quaresma se passa na primavera, Máscaras no verão até chegar a Paisagem de Outono. Em conjunto, é possível observar que as histórias noir de Padura apresentam uma proposta estética e conceitual: o policial é um pretexto, um veículo, mas nunca a finalidade. Afinal, para ele, não interessa quem matou quem, mas sim o motivo do crime. E aí reside o diferencial de sua escrita: as respostas podem ser mais complexas, estar fora da personalidade do assassino e cair em um âmbito global de uma sociedade e de uma realidade, mais históricas e precisas.

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As aventuras existenciais de Mario Conde inspiraram uma série da Netflix, já disponível no Brasil. São quatro episódios com quase uma hora e meia de duração. Sobre o assunto, Padura conversou com o Estado em dois momentos: pessoalmente, em novembro, e recentemente por e-mail.

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Como é ver esses quatro romances juntos?

Uma felicidade. Apenas os alemães tiveram essa coragem e foram mais longe, editando os quatro em apenas um volume, de 1.200 páginas. Quando comecei a escrever a primeira história, não pensei em uma série. Queria apenas criar uma novela policial, cubana, que não se parecesse com outras de meu país. Surgiu, então, Mario Conde, um policial peculiar. Foi quando o livro saiu no México, em 1991, é que me dei conta da importância desse personagem. Decidi escrever uma série. E elaborei uma unidade de estilo para que se pudesse ler como quatro grandes capítulos de um único romance, que se passa durante as quatro estações do ano de 1989 na vida de Mario Conde. Durante os oito anos em que escrevi, foi um período muito difícil em Cuba, por causa de uma tremenda crise. Na trama, é possível notar que o escritor e o personagem estão mudando, ainda que o tempo siga o mesmo. Esse conjunto de quatro grandes capítulos permite observar, de forma subterrânea, a evolução de um escritor, de um personagem e de uma realidade.

Você não se interessa pela descoberta do assassino, mas pelas vidas e relações, não?

Sim. Desde o início, já sabia que o social era mais importante que o policial. O conflito ao redor do qual ocorre um crime era muito mais importante que sua solução. Eu me interesso mais pelo “como” e “por que” do que pelo “quem”. Assim, quando escrevo, muitas vezes, não sei quem é o assassino. Na primeira versão, começo apresentando todo o panorama social e só ao final penso sob uma lógica policial. E, quando inicio a revisão, sempre vejo sob nova perspectiva que me permite aprofundar ainda mais a parte social.

Ao analisar sua literatura, você acredita que seu texto seja fácil de adaptar para o formato da televisão e do cinema?

Meus romances, tanto os policiais como os históricos, que na verdade não são nem policiais nem históricos, podem dar a impressão de serem muito “cinematográficos”, especialmente os da série Estações Havana. Durante anos, muita gente disse isso e cheguei a acreditar – até que começamos o trabalho de adaptação para o cinema e nos demos conta, minha mulher Lucía e eu, de que na realidade são textos muito literários, nos quais as palavras são muito protagonistas e em que uma enorme quantidade de acontecimentos ocorre na mente do personagem Conde. Ou seja, é o contrário do cinema, que tem de tornar a história “visível”, ressaltar os conflitos, mostrar os acontecimentos. O que nos ajudou bastante foi que, mesmo sendo eu muito verbal, sempre conto uma história, e foi a essa história que nos agarramos para dar forma de texto dramático. Também nos ajudou o gênero, pois no romance policial há que organizar os acontecimentos de uma perspectiva lógica: primeiro é preciso matar alguém, para depois investigar essa morte. Mesmo assim, foi um trabalho duro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.