No início, o ano celta foi dividido em duas estações principais, a quente e a fria, e, posteriormente, cada uma delas foi subdividida em duas outras partes. Em conseqüência, o ano ritual dos celtas compreendia quatro festas sazonais. Estas festas célticas, que datam do Neolítico, estavam associadas aos conhecimentos que os seus sacerdotes-astrônomos possuíam sobre os equinócios e os solstícios. O ano, céltico começava no início de novembro, quando se comemorava Samain ou Samhain – festa dos mortos -, a primeira festa agrária das estações, associada ao outono. No início de fevereiro, celebrava-se a festa de Imbolc, associada ao inverno; no início de maio, a de Beltaine ou Beltine – festa do fogo novo -, associada à primavera e, no decorrer de agosto, as Lugnusad ou Lughnesa, festas das colheitas e dos armazenamentos, que estavam associadas ao verão. Os celtas retinham como período sagrado, o intervalo de três e nove dias, de dois anos e meio ou três, sete e trinta anos. Escolheram, para o início do ano, o momento da volta dos rebanhos aos estábulos, em virtude dos primeiros sinais da chegada do inverno. Assim, o Ano-Novo dos celtas corresponde ao primeiro dia de novembro no nosso calendário, quando, se organizavam festas em homenagem a Samain, a importante divisão outonal. O calendário bem como as suas festas baseavam-se em observações lunares realizadas pelos astrônomos-sacerdotes druidas, que contavam as noites e não os dias, além de escolherem os dias propícios ou maléficos.
O dia de Samain era considerado um dia independente, que se intercalava entre o ano que acabava e o que se iniciava. Sua posição intermediária em relação às estações parece constituir um ponto de transição entre um ciclo mais pastoril, para outro mais agrícola, na evolução da civilização céltica. De fato, o Samain corresponde ao fim da estação do pasto, quando se reuniam às manadas e aos rebanhos. Quase todos os animais eram abatidos, conservando-se somente os necessários à criação. Tratava-se, sem dúvida de uma tradição milenar que só se alteraria com a chegada dos agricultores do neolítico. Na realidade, a melhor interpretação para o vocábulo Samain parece ser o de reunião ou agrupamento. Seu significado mágico pode estar associado ao desejo de que ele devesse preceder a germinação, ou seja, a prosperidade que chegaria com a primavera e o verão. Com efeito, os mitos do Samain tinham profunda relação com a renovação da fecundidade da terra e dos seus habitantes. Eles estavam relacionados com a união do deus tribal Dagda, protetor e benfeitor, com a deusa Morrigan, rainha dos demônios. Na realidade o Samain tanto apresenta aspectos de fertilidade como de destruição, podendo ser simbolizado pelo Sol, pela Lua e alguns zoomorfismos. No Samain, os mortos voltavam à Terra, durante três dias, quando podiam levar seus parentes e amigos ao país da eterna primavera. Nesses dias, as portas das casas eram deixadas entreabertas, com as mesas guarnecidas para que os visitantes pudessem entrar, repousar e se restaurar, se tivessem necessidade. Era o encontro entre o mundo divino e o humano. Durante a vigília de Samain os fogos eram apagados e novamente acesos ao nascer do dia seguinte, marcando o fim de um mundo e o renascimento de um outro, dentro do espírito da eterna evolução cíclica. As forças sobrenaturais surgiam na véspera de Samain, à noite, sob a forma de horríveis monstros, que tinham sua origem nas grutas. Eles assaltavam, e queimavam tudo, levando ao desespero os habitantes das fortalezas reais. A importância desta festividade, que lhe antecedia no período pré-cristão, é tão grande que até hoje ela é lembrada nas comemorações do Halloween, dia das bruxas, a 31 de outubro, na véspera dos dias de Todos os Santos e Finados, celebrados nos dias 1 e 2 de novembro, respectivamente. A designação, Halloween, surgiu por volta do inicio do século XVIII, da expressão inglesa all hallow een, que significa “véspera do dia de Todos os Santos”. Apesar de sua origem céltica, chegou até nós através da tradição norte-americana, razão pela qual é comum atribuir a sua adoção pelos brasileiros como mais uma dependência aos costumes norte-americanos.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão
é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 65 livros, entre outros “O Livro de Ouro do Universo”.Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com