Ela faz ginástica e RPG para manter a saúde; recorre a audiolivros em dias em que a visão está mais comprometida; e tem, ainda hoje, a folha em branco como seu maior desafio. Falamos de Ruth Rocha, consagrada escritora de livros infantojuvenis que, em 2019, completa 50 anos de carreira. A autora de clássicos como Marcelo, Marmelo, Martelo e O Reizinho Mandão recebeu o jornal O Estado de S. Paulo para uma entrevista exclusiva em sua casa, em São Paulo.

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Socióloga de formação, Ruth Rocha trabalhou como orientadora educacional no Colégio Rio Branco, em São Paulo. Mas foi na revista Recreio que nasceu a escritora: sua amiga Sonia Robatto, que à época editava a publicação, em tom de brincadeira, a trancou em uma sala e disse que só a libertaria de lá caso Ruth escrevesse uma história. Assim surgiu, em 1969, Romeu e Julieta, um conto sobre duas borboletas de cores diferentes, que juntas enfrentam o preconceito. A partir daí, o céu virou o limite – já são 212 livros publicados e vendas na casa dos milhões de exemplares, no Brasil e no exterior.

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Com obras adotadas por escolas ao longo de décadas, Ruth Rocha ajudou na formação de milhares de crianças. “Sinto a responsabilidade, é claro, mas eu acho que sempre escrevi coisas positivas e importantes. Eu falo sobre justiça, verdade, amizade, sustentabilidade, direitos humanos. Eu condeno o autoritarismo”, diz a escritora, oito vezes vencedora do Prêmio Jabuti e membro da Academia Paulista de Letras. Já lançou livros na ONU e no Salão Negro do Congresso Nacional.

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De fato, para ela, dedicar-se a livros infantojuvenis nunca foi impeditivo para tratar de temas sérios. Ruth Rocha escreveu sátiras à ditadura militar, em meio à censura e à perseguição a opositores dos anos de chumbo. “Fazer isso me deixava tensa, claro, eu tinha um medo danado. Mas tinha de fazer.”

Uma das críticas ao regime é o livro O Reizinho Mandão, incluído na lista de honra do prêmio internacional Hans Christian Andersen. A história traz um líder que mandava todo mundo calar a boca; o povo, de tão calado, esqueceu como falar. A escritora conta um episódio que viveu em uma escola, quando comentava sobre a obra com crianças.

“Esse é o presidente?”, perguntou um menino.

“É, digamos que pode ser um pai, um irmão mandão…”, respondi, evasiva, pois estávamos no auge da ditadura.

“Mas esse é o presidente”, insistiu a criança.

“É…”

“Você não tem medo da polícia, não?”

Hoje, Ruth ri da passagem, mas lembra-se de que tinha medo, de fato, de retaliações do governo. “Não viram o que eu estava dizendo. Na verdade, eles não olharam história infantil, só vigiavam a música popular.”

Outro sucesso da autora – o maior em termos de vendas, com mais de 20 milhões de exemplares comercializados até hoje – é Marcelo, Marmelo, Martelo. Já foi adaptado para o teatro e será transformado em série pela produtora Coiote, mas não é o preferido de sua criadora. “Na verdade, não sei dizer de qual eu gosto mais. Vários fizeram época.”

O que Ruth Rocha diria a pais que querem incentivar filhos a ler? “Leiam. Comprem livros, contem histórias. Criança gosta de novidade, de aprender”, afirma. A escritora gosta da liberdade com a qual as crianças são criadas hoje em dia – “tudo bem que, às vezes, extrapola”, diz, mas, para ela, isso ainda é melhor do que o autoritarismo de antigamente.

Ruth Rocha gosta de ler poesias de Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Vinicius de Moraes e Cecília Meirelles, mas também se dedica a best-sellers, como Sapiens e Homo Deus, duas publicações de Yuval Harari. “Quem não lê, não escreve”, diz. Aos 88 anos, não pensa, nem de longe, em parar de fazer o que ama: produzir literatura infantojuvenil. “É quase como parar de viver!”

Pouco afeita ao computador, está escrevendo, à mão, um novo livro, o Almanaque do Marcelo, com piadas, historinhas e curiosidades. O ‘novo filho’ deve ser lançado até o final do ano, para sorte das crianças – e dos adultos também.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.