Alexandre tinha cerca de 9 anos quando leu O Meu Pé de Laranja Lima e recorda com carinho e espanto a experiência. “Não me lembro de ter chorado com tanta intensidade com qualquer outro livro. E olha que sou uma manteiga derretida”, brinca hoje, quase 50 anos depois, o editor e livreiro Alexandre Martins Fontes.
Ele também se lembra de sua mãe impressionada com a situação, como se não fosse para tanto. “Mas aquela cena da morte do português é de matar”, diz ele, que leu muito quando criança – mas nada tão “arrebatador” quanto o livro de José Mauro de Vasconcelos (1920-1984).
Em 2018, o best-seller juvenil completa 50 anos de lançamento. No entanto, foi numa semana perdida de 1967, em Ubatuba, que o autor de As Confissões do Frei Abóbora (1966, Jabuti de melhor romance) pôs fim na história de Zezé, ou, como ele coloca no subtítulo, na “história de um meninozinho que um dia descobriu a dor”.
Para marcar a data, a Melhoramentos antecipa o lançamento de uma edição comemorativa pelos 50 anos do livro – que está em seu catálogo desde o início. De lá para cá, foram mais de 150 edições no Brasil e 2 milhões de exemplares vendidos – o recorde foi em 1969, com 320 mil cópias comercializadas, e, embora os números tenham perdido a força com o passar dos anos, eles ainda impressionam. Em 2016, por exemplo, a editora diz que vendeu nada menos de 35 mil exemplares. Sucesso também na TV e no cinema e no exterior, com tradução em 15 idiomas e presença em 23 países.
“O Meu Pé de Laranja Lima é uma obra que viaja com facilidade – é, até hoje, o livro brasileiro mais traduzido para outras línguas. Acredito que pessoas de diferentes países e realidades se identificam com Zezé porque ele representa tão bem aquela mistura de inocência e travessura das crianças de 5 ou 6 anos. É um personagem apaixonante e a história é inesquecível”, comenta a australiana Alison Entrekin, responsável pela tradução que a britânica Pushkin Childrens Books lança no início do ano.
Desde 2003, não havia uma nova edição da obra no Brasil. No volume que sai agora, em capa dura e novo projeto gráfico, a ilustração de Rui de Oliveira na capa foi substituída pela de Laurent Cardon. O volume traz, ainda, um texto informativo sobre o livro, o autor e o contexto histórico da obra, além de notas de rodapé feitos pelo escritor Luiz Antonio Aguiar. Uma biografia fecha o volume, cuja presença é mais massiva em escola do que em livrarias.
Idealizadora da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, um dos principais projetos de formação de leitores do País, Tania Rösing dava aula em escola quando o livro foi lançado. Ela lembra que a Melhoramentos fez uma ampla distribuição do livro pelo País e ela indicou a leitura para seus alunos do 1.º ano do antigo segundo grau. “Foi um sucesso absoluto de leitura. Na sequência, quando foi feito o filme, eles desmancharam-se em lágrimas”, recorda. Rösing diz, ainda, que esta não era uma leitura referendada pela universidade, que achava que os jovens deveriam ler apenas os clássicos, e menos ainda pela crítica. “Estava muito distante dos cânones, mas tocava a sensibilidade dos leitores. Assim, houve um período em que todo leitor se envolvia com o conteúdo dessa obra e O Meu Pé de Laranja Lima obteve uma das melhores recepções dos leitores do século 20.”
Luiz Antonio Aguiar também comenta o preconceito da crítica. “Tem a ver com um embate que existe na literatura, que, explicando de forma muito simplificada, se separa entre os que defendem uma literatura voltada para a erudição e os que prezam a que tenta emocionar o leitor. Como se emocionar o leitor fosse uma coisa pouco inteligente e pouco estética.”
“Não acho que ele tenha dado muita bola para a crítica. Ele era muito na dele”, comenta Regina Benatti, filha do motorista de Vasconcelos e uma de suas herdeiras. Ela, que passou a infância na companhia do escritor, tido como um tio, diz ainda que muito do que ele escreveu é, na verdade, um relato do que viveu.
Para o escritor Luiz Ruffato, a força do livro não está na condução do texto, “que a todo momento apela para o sentimentalismo fácil, mas no fato estarrecedor de que o final da história não está na conclusão, mas em sua dedicatória”. Nela, o autor fala sobre dois irmãos que se mataram. “Eles não suportaram conviver com os traumas provocados por um pai alcoólatra, extremamente agressivo e intolerante, e por uma mãe que, embora sofresse ela também os ataques do marido, se omitia submissa às surras tomadas pelos filhos”, disse à reportagem.
Zezé, como lembra Luiz Antonio Aguiar, “levava surras absurdas e estava à beira de querer morrer”. Mas, com sua criatividade, ele “criou um mundo íntimo que lhe permitiu sobreviver a um ambiente hostil”.
Uma história universal, (infelizmente) atual e que segue conquistando leitores. Alexandre Martins Fontes leu no final dos anos 1960. Luisa Geisler, hoje com 26, no início dos anos 2000. “Ele foi um dos primeiros que de fato formou um vínculo afetivo, em especial comigo e minha mãe, em torno do livro. Foi um dos primeiros livros tristes que li quando pequena, mas o que mais me lembro era a felicidade de uma leitura compartilhada.”
A nova edição sai com ‘apenas’ 5 mil exemplares, mas certamente reimpressões serão feitas ao longo do ano.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.