No último domingo chegou às bancas o primeiro exemplar da coleção da Folha de São Paulo, que ao longo dos próximos meses vai trazer a vida e obra de 25 pintores brasileiros. Como acontece com estas promoções, o primeiro número vem acompanhado do segundo, dois pelo preço de um: brinde para animar o colecionador. O primeiro número é dedicado a Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo, o Di Cavalcanti, um dos maiores pintores brasileiros, modernista de primeira hora.

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Di Cavalcanti morreu no dia 26 de outubro de 1976. Quando soube de sua morte, o cineasta Glauber Rocha teve daquelas idéias malucas que para se tornarem nova obra-prima precisava apenas de uma câmera na mão. Ele conseguiu a câmara e foi para o velório de Di Cavalcanti. O cineasta baiano transformou o velório numa muvuca. Glauber filmou velório e enterro, corpo no caixão, amigos do defunto, enquanto a família do pintor, aos berros, pedia para ele cair fora – ele filmando tudo. O cineasta baiano berrava para os seus auxiliares: “Filma tudo, filma tudo. Estou aqui filmando minha homenagem ao amigo Di Cavalcanti”. Ao fundo, em vez de música triste, tocava o samba-funk “Umbabarauma, Homem Gol”, cantado por Jorge Ben Jor. O pintor morto parecia sorrir de tudo. Nunca houve um velório igual aquele no Rio de Janeiro.

Ao fim, Di foi para o outro mundo -seu corpo para o cemitério – e Glauber foi para casa. Ele teria trabalho para montar o filme nos próximos meses. Que se chamou “Di Cavalcanti Di Glauber” ou “Ninguém Assistiu ao Formidável Enterro de Sua Última Quimera; Somente a Ingratidão, Essa Pantera, Foi Sua companheira Inseparável”. Um título razoavelmente longo para 15 minutos de fita. Mas o filme ficou legal. Uma pequena obra-prima. Um velório narrado em ritmo de partida de futebol.

Curiosamente, amanhã, outro domingo, fará 36 anos que o filme de Glauber teve reconhecimento internacional. No dia 26 de maio de 1977, exatamente sete meses depois da morte do pintor, o documentário ganhou o prêmio especial do júri no Festival de Cannes. E a história acabou por aí. Quando estava para ser lançado, depois de premiado, a família do pintor entrou na jogada e proibiu a exibição da fita. A família alegou que Glauber desrespeitou o funeral e transformou o momento sagrado num carnaval. O filme está proibido até hoje. Coisa de maluco -do começo ao fim. Mas quem quer conferir, pode entrar no youtube, que está lá.

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