Há 30 anos morria o escritor Jorge Luis Borges

Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires no dia 24 de agosto de 1899 e morreu 86 anos depois, em Genebra, em 14 de junho de 1986 – há exatos 30 anos.

Mais conhecido por seu contos e ensaios, um dos autores do boom latino e criador de obras como O Livro dos Seres Imaginários, Ficções e O Aleph, além do conto A Biblioteca de Babel, Borges deixou também uma vasta obra poética.

Parte de seus textos foram reunidos no volume Poesia, traduzido por Josely Vianna Baptista e editado pela Companhia das Letras. Selecionamos três poemas do volume, que, esgotado, é encontrado com sorte em sebos.

Um Amanhã

Louvada seja a misericórdia

De Quem, completos meus setenta anos

E selados meus olhos,

Salva-me da venerada velhice

E das galerias de precisos espelhos

Desses dias iguais

E dos protocolos, molduras e cátedras

E da assinatura de incansáveis papéis

Para os arquivos do pó

E dos livros, que são simulacros da memória,

E me prodiga o animoso desterro,

Que talvez seja a forma essencial do destino argentino,

E o acaso e a jovem aventura

E a dignidade do perigo,

Conforme opinou Samuel Johnson.

Eu, que sofri a vergonha

De não ter sido aquele Francisco Borges que morreu em 1874

Ou meu pai, que ensinou a seus discípulos

O amor à psicologia e não acreditou nela,

Esquecerei as letras que me deram alguma fama,

Serei homem de Austin, de Edimburgo, da Espanha,

E buscarei a aurora em meu ocidente.

Na ubíqua memória serás minha,

Pátria, e não na fração de cada dia.

(Publicado em ‘O Ouro dos Tigres’, em 1972)

O Enamorado

Luas, marfins, instrumentos, rosas,

Linha de Dürer, lâmpadas adiante

As nove cifras e zero cambiante.

Devo fingir que essas coisas preciosas

Realmente existem e no passado foram

Persépolis e Roma e que a areia

Fina mediu a sorte da ameia

Que os séculos de ferro desmancharam.

Devo fingir as armas e a pira

Da epopeia e os pesados mares

Que corroem da terra os pilares.

Devo fingir que há outros. É mentira.

Só tu és. Tu, minha desventura

E minha ventura, inesgotável e pura

(Publicado em ‘História da Noite’, de 1977)

O Labirinto

Nem Zeus desataria essas redes

de pedra que me cercam. Olvidado

dos homens que antes fui, sigo o odiado

caminho de monótonas paredes

que é meu destino. Retas galerias

encurvando-se em círculos secretos

com o passar dos anos. Parapeitos

que se racharam na usura dos dias.

Já decifrei no pó esbranquiçado

rastros que temo. Tenho percebido

no ar das côncavas tardes um rugido

ou o eco de um rugido desolado.

Sei que na sombra há Outro, cuja sorte

é exaurir as solidões sem fim

que este Hades fiam e desfiam,

sugar meu sangue e devorar minha morte.

Nós dois nos procuramos. Quem me dera

fosse este o dia último da espera.

(Publicado em ‘Elogio da Sombra’, de 1969)

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