Ela foi a maior estrela de seu tempo. Permanece como um dos mitos mais duradouros do cinema, um quarto de século após sua morte, em Nova York. Quando isso ocorreu, em 15 de abril de 1990, Greta Garbo já tinha 84, quase 85 anos – nasceu em Estocolmo, em 18 de setembro de 1905 -, e estava há cerca de 50 anos sem filmar. O último filme, “Duas Vezes Meu”, é de 1941. Nove anos antes, em 1932, Garbo estrelou “Grande Hotel”. Tinha 27 anos e faz uma mulher famosa que, de repente, se cansou de tudo. A angústia e o desespero parecem genuínos. Garbo diz a frase que, desde então foi associada a ela – I want to be alone, Quero ficar sozinho.

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Nos anos 1960, em plena era da cultura de massas, Andy Warhol disse outra frase que também ficaria famosa – no futuro, todo mundo teria direito a 15 minutos de celebridade. Garbo era célebre, mas renunciou a tudo pelo anonimato. Rompeu com Hollywood, jurou que nunca mais voltaria a um set de filmagem – e cumpriu a promessa feita a si mesma. A reclusão voluntária só fez crescer o mito. Usando chapelões, óculos escuros, ela passou o restante da vida se escondendo dos paparazzi, que corriam atrás de suas fotos. Até o fim, fotografar Garbo foi uma atividade lucrativa.

Garbo, nascida Greta Loyisa Gustafsson, foi a primeira sueca importada por Hollywood. Depois dela, veio Ingrid Bergman. Greta era de família modesta. Foi vendedora numa loja, mas chamou a atenção de marqueteiros – a palavra talvez nem existisse, mas ela fez fotos de publicidade. Em 1922, aos 17 anos, fez seu primeiro filme – na Suécia. Chamou a atenção do diretor Mauritz Stiller, que foi seu Pigmalião. Ele lhe deu o nome pelo qual se tornou conhecida – Garbo – e fez dela a protagonista de “Gosta Berling Saga”. Em 1925, Greta cavou um papel importante num filme de G.W. Pabst com Asta Nielsen, e ela sim era uma estrela na Suécia.O filme chamava-se “Rua sem Alegria”. Logo em seguida, Stiller emigrou para os EUA. Garbo foi com ele.

O diretor foi contratado pela Metro, mas o lendário Louis B. Mayer não ligou para Greta. Seu contrato era uma deferência do estúdio com Stiller. Garbo ficou algum, tempo morando em Nova York – sem trabalho. Foi então que elas cruzou com seu segundo Pigmalião, o fotógrafo Arnold Genthe. Ele tirou e conseguiu publicar uma série de fotos que ressaltavam a expressividade do rosto de Garbo. Hollywood lhe deu o primeiro papel, em “The Torrent”. Fazia uma mulher fatal, destruidora de homens, e enigmática. Em 1926, com “The Devil and the Flesh” (O Diabo e a Carne), Garbo não apenas virou uma estrela como encontrou o galã com quem formaria dupla, John Gilbert. Logo circularam rumores de que restavam apaixonados, formavam um casal. Permaneceram próximos, mas há controvérsia. Garbo era bissexual, senão homossexual, mas tão reservada com sua vida íntima que o mistério aumentou a curiosidade do público. Criou-se o mito da Esfinge de Hollywood.

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Tornou-se a ‘divina’. Sucediam-se os filmes, e cada um fazia mais sucesso que o outro. Garbo virou ‘a’ estrela. No fim dos anos 1920, o cinema tornou-se sonoro, começou a falar. Muitas reputações caíram por terra, porque as vozes não eram aquelas sonhadas pelo público. John Gilbert, por exemplo, tinha uma voz meio aguda que não correspondia ao elã romântico do galã. A voz de Garbo, pelo contrário, ressaltava o mistério. Garbo trabalhou muito com diretores como Clarence Brown e Edmund Goulding. Com eles fez as duas versões de “Anna Karenina”, de Leon Tolstoi. A primeira, “Love” (Amor), de 1927, foi de Goulding, e lhe deu seu primeiro prêmio da crítica de Nova York. A segunda, de 1935, de Brown, e precede outra adaptação – a de “A Dama das Camélias”, por George Cukor, que lhe deu seu segundo prêmio dos críticos nova-iorquinos. A essa altura, Garbo já se afastara de John Gilbert e o amante oficial era o maestro Leopold Stokowski.

Tudo o que ela fazia interessava tanto ao público que era saudado como acontecimento. Garbo fala, Garbo ri. Pois o mito cresceu associado à máscara do rosto, sempre grave, sério. Garbo tornou-se um ‘caso’. A semiologia é invocada para decifrar a Esfinge. Garbo seria – há controvérsia – desprovida de calor humano, de graça. Seu rosto de pedra não expressa nada, mas possui uma qualidade singular. Os olhos, a linha da boca, o queixo compõem, por assim dizer, uma abstração. Nesse rosto enigmático, o público pode ver nada, ou o seu reverso – tudo. Em 1933, Rouben Mamoulián fez o filme que consolidou o mito.

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A estrela sempre sonhou com o papel da “Rainha Cristina”, que abdicou do trono da Suécia por amor, o amado morreu e ela, sem marido nem trono, levou uma vida reclusa, como seria a de Garbo, no seio da Igreja, em Roma. Garbo impôs o galã, John Gilbert. No final, ela o espera no galeão que os levará… para onde? A descoberta gera um momento de tensão. O que fazer? Garbo dirige-se para a extremidade do navio. Mamoulián pediu-lhe apenas que ficasse parada e olhasse para a frente, com expressão ‘vazia’. A câmera faz tudo. Há um lento movimento do aparelho em direção ao rosto. Nada de lágrima. É a projeção do espectador no drama que cria a intensidade de sentimentos que Cristina deve estar sentindo.

Mas seria injusto dizer que Garbo não ‘atuava’. A crítica Pauline Kael gostava de dizer que a Metro, sempre tão ciosa de sua ‘cria’, podia ter bradado – ‘Garbo acts!’, Garbo atua. Teria sido justamente por “A Dama das Camélias”, adaptado do original de Alexandre Dumas Filho. De novo, ela faz a mulher que renuncia ao amor. Prostituta, atende ao pedido do pai de Armand Duval e se afasta do rapaz (o jovem Robert Taylor, assombrosamente belo), para não destruir a vida dele numa sociedade preconceituosa. Mas Camille morre – tísica – nos braços de Armand, numa cena dilacerante que firmou a reputação de George Cukor como diretor de ‘atrizes’. “A Dama das Camélias” é de 1936 e, três anos mais tarde, Gasbo fez a comédia “Ninotchka”, de Ernst Lubitsch.

Uma sátira política, em que ela faz uma comissária do povo que vai investigar o que se passa na embaixada russa em Paris e descobre… Caviar, champanhe e o amor. Conta a lenda que Garbo não conseguia rir e o som de seu riso teve de ser falseado. Seja como for, Garbo, de novo atuou e a cena dela com Ina Claire é um assombro. O encontro da estrela intuitiva com a atriz (de teatro) que encarnava o rigor da técnica produz um desses momentos mágicos. The fur flies exquisitely, como observou Pauline Kael. Garbo faria só mais um filme depois, de novo com Cukor, mas “Two Faced Woman” (Duas Vezes Meu), foi seu primeiro fracasso. O mundo estava em guerra, com certeza não era aquilo que o público esperava. Garbo não se deu outra chance. Fugiu para Nova York, largou tudo, foi ser gauche na vida, sempre fugindo do próprio mito.

A propósito dela pode-se evocar Oscar Wilde, que dizia que a mulher é uma esfinge sem mistério. Talvez o mistério de Garbo fosse só uma invenção do seu público, ou do estúdio. Ela lhe foi fiel. Grandes diretores lhe ofereceram a possibilidade de retornos triunfais. Consta que era a primeira escolha de Billy Wilder para ser Norma Desmond em “Crepúsculo dos Deuses”, mas era um pouco a sua história e ela recusou – bom para Gloria Swanson. Luchino Visconti também sonhava com Greta Garbo como a Rainha de Nápoles da sua nunca realizada adaptação do romance-rio de Marcel Proust, “Em Busca do Tempo Perdido”. Em 1984, Sidney Lumet fez um filme sobre o mito, Garbo Talks, sobre um nova-iorquino oprimido pela mãe cujo sonho é… se encontrar/falar com a estrela. Garbo já estava há mais de 40 anos sem filmar. Morreria dali a seis anos. O mito permanece, graças a esse mistério, esse sim, que faz com que o cinema permita às pessoas viverem, eternamente, como imagem.