Teresa Rachel, como a
tresloucada Rainha Valentine.

O reino era o da fictícia Avilan e o ano, 1786. No mesmo clima de turbulência que marcou a Revolução Francesa, de 1789, o rebelde Jean-Pierre, vivido por Edson Celulari, se levanta contra a corrupção dos governantes e as injustiças sociais que massacram o povo. Em poucas linhas, Que Rei Sou Eu? bem poderia ser confundida com as clássicas histórias “capa-e-espada” das décadas de 40 e 50. Isto, não fosse o humor sarcástico de Cassiano Gabus Mendes que, em 1989, escreveu uma grande sátira sobre o Brasil da redemocratização. A novela foi exibida às 19 h entre 13 de fevereiro e 16 de setembro de 1989, ou seja: às vésperas da primeira eleição direta depois de 28 anos de jejum. No próximo dia 13, Que Rei Sou Eu? completa 15 anos. “Fizemos uma novela bufa, carnavalesca. Mas, se fosse séria e contemporânea, não conseguiria ser tão atual”, acredita o diretor Jorge Fernando.

Avilan era um reino dominado pela corrupção. A morte do rei deixa o trono vago e o governo ainda mais caótico. Na falta de um sucessor, os conselheiros reais, que manipulavam a tresloucada Rainha Valentine, de Tereza Raquel, coroam o mendigo Pichot, vivido por Tato Gabus. A armação é obra do maquiavélico Ravengar, bruxo do condado encarnado por Antônio Abujamra. Enquanto isso, Jean-Pierre lidera o movimento revolucionário. Dele, participam a feminista Madeleine, de Marieta Severo, e o bobo da corte Corcoran, de Stênio Garcia. Mas, além dos ideais políticos, o coração de Jean-Pierre divide-se entre o amor pela plebéia Aline, de Giulia Gam, e a admiração pela dama Suzanne, a bela esposa de um conselheiro real, vivida por Natália do Vale. “Considero este um daqueles raros trabalhos em que tudo dá certo. Não só pela realização impecável, como pela oportunidade histórica de retratar o momento pelo qual passava o País”, resume Edson Celulari.

De fato, Que Rei Sou Eu? era uma paródia do Brasil – com direito a corrupção, instabilidade financeira, sucessivos planos econômicos e uma moeda desvalorizada, que só mudava de nome. O autor se aproveitou da abertura política para ironizar até as manchetes de jornal. Da compra ilegal de bicicletas com dinheiro público ao escândalo do leite contaminado, tudo que acontecia no Brasil acontecia também no reino de Avilan. A ousadia agradou e a novela logo virou sucesso de audiência. Mas também não faltaram críticas. Houve quem visse no herói da história uma campanha velada da Globo por Fernando Collor de Mello, então candidato à Presidência da República. Afinal, o “caçador de marajás” também vendia a imagem de jovem líder político e inimigo da corrupção. Segundo o diretor Daniel Filho, porém, a sinopse de Que Rei Sou Eu? já havia sido proposta por Cassiano em 1977. “Mas achamos absolutamente fora de propósito na ocasião”, chegou a justificar.

Na fase de preparação, diversos atores tiveram aulas de acrobacia, dança, esgrima e malabarismo, além de orientação sobre linguagem, gestos e costumes do Século XVIII. Não por acaso, a novela contou com algumas memoráveis interpretações, como a de Stênio Garcia, que aos 56 anos teve de aprender a dar salto mortal para encarnar o esperto “bobo” Corcoran, e Antônio Abujamra, até hoje lembrado como o soturno Ravengar. “O personagem foi um fenômeno, muito mais por sua natureza cruel do que pela acidez que eu colocava nas palavras”, analisa Abujamra. Outro destaque foi Tereza Raquel, com a irretocável caracterização de Valentine e suas agudas gargalhadas.

Que Rei Sou Eu? também emplacou na trilha musical eclética, que ia de Fagner e Wando a Guns N?Roses, passando por Gipsy Kings e Eduardo Dusek. A abertura da novela, desenvolvida por Hans Donner, mostrava diversos conflitos da história mundial, numa espécie de máquina do tempo. A produção, como um todo, funcionou tão bem que a novela acabou sendo reprisada, em versão compacta e no horário das 17 h, entre outubro e dezembro de 1989. Ou seja, apenas um mês após a exibição do último capítulo.

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