?Sim, sou brasileiro, e bem brasileiro.? Assim falava o nosso maior compositor: Heitor Villa-Lobos. Amanhã comemoramos 120 anos do seu nascimento. O compositor nasceu em 5 de março de 1887, no Rio de Janeiro, onde também faleceu em 1959.

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Afirmava que seu primeiro livro fora o Mapa do Brasil. Nacionalista, viajou o Brasil compilando canções folclóricas, que viria a universalizá-las em sua obra. Na Semana de Arte Moderna de 1922 apresentou suas Danças características africanas, sendo criticado pelo modernismo da obra. Villa-Lobos responde que não escrevia música dissonante para ser moderno. No ano seguinte excursiona pela Europa, e, ao chegar de Paris, é saudado por Manuel Bandeira da seguinte forma: ?Villa-Lobos acaba de chegar de Paris. Quem chega de Paris espera-se que chegue cheio de Paris. Entretanto, Villa-Lobos chegou cheio de Villa-Lobos?. Na década de 30 implanta um revolucionário plano de educação musical nas escolas do Brasil, onde torna-se célebre o Canto Orfeônico, com gigantescos corais, chegando a 40 mil vozes.

O que tem de atual o nosso Villa?

Talvez o sentimento libertário, a necessidade de uma construção coletiva de liberdade, onde as diferenças individuais se harmonizem no coletivo. A educação como ferramenta de liberdade através do conhecimento e da solidariedade.

O pluralismo das Cirandas, Cirandinhas e Brinquedos de Roda de Villa-Lobos, com temas folclóricos de norte a sul do Brasil, nos lembra o grande caldeirão cultural que é o nosso País, e sua audição um fenômeno sociomusical privilegiado, uma terceira via, o espaço sonoro, de entendimento da realidade.

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Não conhecemos o real, e sim nossa relação com o real. Por isto, também vendo sob uma ótica göedeliana (aquele que provou ser a matemática uma ciência inexata), ?o que está em cima é como o que está embaixo, mas o inverso não é verdadeiro?. Mas juntos formamos um todo. A construção da identidade e a educação devem passar, necessariamente, pela liberdade, para tentar alcançar a solidariedade. E a música de Villa-Lobos nos fala muito disto.

Não se trata de nenhum neo-nacionalismo, mas de aproveitar espaços privilegiados para repensar nossos paradigmas, enfrentar problemas, tomar atitudes individuais em favor da coletividade.

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Nas salas de concerto, nas de exposição, nos teatros, na arte de rua, todos estes espaços fecundos de auto-avaliação devem ser aproveitados. Villa-Lobos declarava: ?Confesso que não me deixo dominar pela meticulosidade…?.

A reflexão, que por conceito começa na escola, está à disposição nos fenômenos artísticos, mesmo os que se pautam exclusivamente pelo ?belo?. Os princípios dialéticos, que podem em primeira instância refletir um choque de contrários, vão, indubitavelmente conduzir o espectador a uma terceira via. Crítica. O indivíduo posteriormente volta a achar seu próprio lugar na realidade, mas modificado, cheio de arte. Às vezes dói, e o prazer vem somente na redescoberta; às vezes o prazer é imediato, mas dói depois, ao confrontá-lo com a realidade, e por vezes não se percebe nada, não se entende nada, somente que nada se está deixando acontecer.

Por isto, permita-se, corra o risco de se encontrar, mantenha a sua imaginação, seu fluxo de conhecimento e entendimento. Pratique Villa-Lobos.

Daniel Binotto é mestre em Musicologia pela U. de Chile, presidente da Pró-Música de Curitiba e coordenador de Extensão da Embap.