E, na terceira noite do Cine PE – quarta-feira, 4 -, um espanto reverberou na tela do cinema São Luiz, e foi a exibição de Guerra do Paraguay, de Luiz Rosemberg Filho. Rô, como o chama seu produtor e, nesse filme, também diretor de arte, Cavi Borges, é um sobrevivente da radicalidade dos anos 1960 e 1970. Rosemberg é ótimo contador de histórias. Evoca os amigos que partiram e entraram na história – Glauber, Joaquim Pedro. Na tela, não conta propriamente uma história, mas reflete. É a função do cinema.

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Finda a Guerra do Paraguay, um soldado meio maltrapilho, mas que se sente vitorioso, topa com duas mulheres numa carroça. Ele é uma figura do passado, elas são contemporâneas. Encontram-se no que pode ser uma fenda do tempo ou licença poética do autor para alimentar sua ficção. A mulher, uma atriz, tem um discurso articulado. Do choque de ambos sai o que Rosemberg gosta de fazer – uma proposta de reflexão sobre a arte, a guerra e o capitalismo. E o embate verbal – a guerra é de palavras e sons – se passa num cenário de imensa beleza. A guerra no paraíso, como define o autor.

Embora não tenha sido uma unanimidade – alguns não gostaram -, ao enviado do Estado, Guerra do Paraguay causou profunda comoção. Rosemberg dedica seu filme a dois outros filmes (clássicos, mas não na forma), Os Carabineiros, de Jean-Luc Godard, que passou no Brasil como Tempo de Guerra, e Doutor Fantástico, de Stanley Kubrick. E houve quem, no debate, lembrasse O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman – a carroça dos artistas, o Cavaleiro e a Morte, o auto medieval, refletindo indagações contemporâneas. Ao repórter, lembrou também Anahy de las Missiones, de Sérgio Silva – Mãe Coragem, a carroça que atravessa a guerra, a família que vive da pilhagem dos mortos. Tudo é possível, mas Guerra do Paraguay, acima de tudo, é irmão gêmeo da estética visceral de Béla Tárr, o Cavalo de Turim.

A mulher fala, o homem, quando intervém, carece de argumentação. A guerra, que o soldado anuncia estar terminada (e vencida), retorna, no desfecho, numa daquelas colagens de que Rosemberg possui o segredo e que foram os instrumentos para que ele passasse ativo nos longos anos em que deixou de filmar longas – a fase pré-Cavi Borges. A colagem final proporciona a catarse, embalada na Valsa de Strauss que Kubrick, o grande, usou em 2001.

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O resultado é impactante. Rosemberg, em seu retorno, talvez tenha feito o filme do ano, de muitos anos, do cinema brasileiro. Esqueça, por um momento, o mercado. Se o mercado brasileiro não tem condições de absorver Guerra do Paraguay – vamos torcer pelo lançamento -, pior para quem? O público, que será privado de uma obra magistral?

Está justificado o Cine PE de 2016. Mas houve um curta documentário interessante sobre a raiz africana do maracatu – Soberanos do Congo, de Raoni Moreno – e outro, magnífico, nas pegadas de Fogo no Mar. Das Águas Que Passam é um documentário não verbal. Um filme de paisagem, em que o tempo é ritmado pelas ondas. Uma espécie de Fogo no Mar sem os refugiados de Gianfranco Rosi. O conceito do jovem diretor Diego Zon é o mesmo. O que o mar dá, o que tira? É belíssimo.

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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.