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Grace Passô, muitas e única

Grace Passô usa muito uma palavra – certas coisas são ‘indesviáveis’ para ela. Mineira, interiorana, nasceu e cresceu numa família sem ligação com as artes, mas as irmãs, “que tinham acesso à literatura”, lhe franquearam os livros, que fizeram sua cabeça. Virou atriz, autora. Já tem uma trajetória de 22 anos no teatro, mas no cinema é mais recente. Um papel importante, mas pequeno, em Elon Não Acredita na Morte, de Ricardo Alves Jr. O protagonismo de Praça Paris, de Lúcia Murat, pelo qual foi melhor atriz no Festival do Rio, e de novo a protagonista de Temporada, o belo longa do mineiro, como ela, André Novais Oliveira, que estreia nesta quinta, 17. Tem mais um filme pronto – Vaga Carne, de novo de Ricardo Alves Jr., que se baseia em seu espetáculo e que terá sessão especial nesta sexta, 18, inaugurando a Mostra de Tiradentes, na qual Grace será homenageada por sua carreira.

Um prêmio de carreira para quem ainda tem tanto por fazer? “Fiquei meio em choque quando me propuseram, mas aí me explicaram que a mostra celebra o entrelinhamento de mídias e linguagens, e aí fez todo sentido.” Desde a sua criação, a Mostra de Tiradentes, e dentro dela a Aurora, tem sido farol na intermediação e discussão de formas narrativas em novas mídias. A Aurora virou a grande vitrine da produção independente e autoral no País. Começa na segunda, 21, com sete filmes concorrentes, entre eles duas produções de São Paulo – A Rosa Azul de Novalis, de Gustavo Vinagre e Rodrigo Carneiro, e Seus Ossos e Seus Olhos, de Caetano Gotardo.

Este ano, a seleção de Tiradentes celebra o tema Corpos Adiante. Tem tudo a ver com Grace. Assim como usa indesviável, ela diz “uma mulher como eu”. Eu, como? “Eu, uai! Não tenho o padrão físico que se encontra na produção de TV, por exemplo.” Mas justamente por não ser um corpo ao qual as convenções conferem o protagonismo das imagens, escreve o coordenador da curadoria, Cléber Eduardo, no site da mostra, o prêmio especial para Grace Passô serve como um “sentido político para a nossa escolha. Ela é só um corpo, mas também é muitos, e muitas mulheres, e todas com sua marca distinguível, cada uma única em si. Ao vestir o interior e o exterior de outras mulheres em seu corpo, Grace inventa vidas, presenças”. Modos de ser e estar no mundo.

Mineiramente, ela desconfia quando o repórter pergunta o que vai usar na premiação. “Pra que você quer saber?” Óbvio – seu tipo único é moldável. O cabelo, os olhos, os lábios carnudos lhe dão um relevo especial, que a roupa pode e deve realçar. A assessora Paula Ferraz intervém. “Você não estava em Brasília (no festival), no ano passado. Grace estava deslumbrante.” Que esteja de novo, nesta sexta. As irmãs dificilmente poderão ir a Tiradentes. A mãe, sim, vai assistir ao triunfo da filha. Atriz, dramaturga, diretora. Como Grace cria suas personagens? “Não me inspiro em pessoas, se é isso que você quer saber. E, no caso de Temporada, acho até que, mais que o roteiro, me inspiraram as conversas com o André (diretor). Discutimos sobre o cinema que ele gosta, o que faz. E aí, sabendo como ele ia me filmar, fui construindo a personagem.”

Em Temporada, Grace interpreta Juliana, uma profissional da saúde que terminou um relacionamento e se muda para Contagem, na Grande Belo Horizonte, para participar do combate à dengue. No trabalho, no contato com os novos colegas, ela retoma a vida, o amor. O papel lhe valeu o Candango de melhor atriz em Brasília, no ano passado. O repórter levanta a questão da representatividade. “Você acha?”, ela provoca? “Não creio que (a representatividade) seja o ponto do filme, mas compreendo. Uma mulher como eu torna-se indesviável.” Grace tem ideias muito precisas sobre seu trabalho, e o momento atual. “Estamos vivendo (no Brasil) o sucateamento da arte e a demonização da classe artística, porque pensa, reflete sobre as condições humanas e sociais, e isso não é interessante para o poder. O cinema, a arte de maneira geral, não é política só pelo tema. O olhar para o outro, a defesa da alteridade estão na essência da arte. Isso nos torna (os artistas) perigosos. Mais que pelo futuro, temo pelo presente.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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