Sophia Loren usou um Armani perolado em sua montée des marches, na terça-feira à noite. Como madrinha da Cannes Classics, ela veio ao festival para ministrar uma master class e apresentar a versão restaurada de Matrimônio à Italiana, de Vittorio De Sica, que fez com Marcello Mastroianni – ele ilustra o cartaz da 67.ª edição do maior evento de cinema do mundo. Uma imagem retirada de Oito e Meio, de Federico Fellini. Sophia falou de Marcello, de Hollywood e de De Sica, claro. E o curioso é que a projeção de Matrimônio foi precedida de uma produção familiar.

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Edoardo Ponti, seu filho, dirigiu-a numa nova adaptação de La Voce Humana, o monólogo de Jean Cocteau que inspirou Rossellini, numa parceria com Anna Magnani.

Essas mulheres maravilhosas. Zhang Yimou disse ao repórter que não foi sua decisão exibir o novo longa, Coming Home, fora de concurso. Foi o festival leia-se o selecionador Thierry Frémaux, avalizado pelo diretor-geral Gilles Jacob. Yimou não lamentou, por ele, mas por Gong Li. Há anos que eles prosseguiam suas carreiras separadamente. O retorno se faz em grande estilo. “Gong fez o filme para desmontar a crença dos que achavam que ela não é atriz”, definiu o diretor, colocando o verbo no passado. Achavam – porque, depois de Coming Home, só louco para negar a evidência.

Gong Li, cujo belo rosto é associado à L’Oréal – uma das patrocinadoras do festival -, desglamourizou-se para fazer a personagem mais realista de sua carreira. O filme evoca os duros anos da Revolução Cultural. Uma garota que sonha dançar numa ópera maoista denuncia o pai dissidente, mas isso não lhe vale o papel. A família desintegra-se. A mãe, sob o choque do trauma, isola-se no mundo interior. E quando o marido é reabilitado, e volta, ela não o reconhece. Depois de filmes grandes, e de gênero, Zhang Yimou volta a uma escala menor, a um registro mais intimista. Coming Home continua sua interrogação do cinema de gênero, mas agora é o melodrama. O filme é um melodrama sirkiano. Fala da família, e Douglas Sirk gostava de lembrar que, na tragédia grega, tudo se passa em família. Por que o melodrama? “Para tornar o filme acessível ao grande público”, diz o diretor.” É um filme necessário, que confronta a China com seu passado recente. Não creio que esteja esvaziando o tema ao adotar o formato (de melodrama).”

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Além de integrar a seleção oficial e também de ter um representante no júri (Jia Zhang-ke), a China foi objeto de todas as atenções no mercado. Em Berlim, já havia três filmes chineses na competição, mais três distribuídos pelas demais seções. Cannes aumentou em 40% o número de credenciais chinesas no mercado. Trata-se de um mercado imenso, que todo mundo corteja. A abertura econômica não tem equivalente para os artistas. Zhang Yimou contou que os roteiros continuam dependendo de aprovação e os filmes, depois de prontos, são examinados por comissões que chegam a reunir 60 pessoas, de todas as áreas. A Revolução Cultural e o fantasma do maoismo podem ter ido para baixo do tapete, mas deslizes continuam não sendo tolerados.

Jean-Luc Godard não veio mostrar Adieu au Langage porque diz que o festival, que devia ser de arte, dedica espaço demais ao mercado. Na verdade, o que se discutiu aqui em Cannes, no final de semana, é a mudança nas plataformas de distribuição.

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Le Film Français deu na quarta-feira os dados – Welcome to New York, de Abel Ferrara, estás disponível na internet desde sábado, ao preço de 6,99, segundo a distribuidora Wild Bunch. Somente no fim de semanas Welcome registrou 49 mil transações VaD, e isso representa cerca de 90 mil espectadores, para começar, somente na França. Pode ser que se esteja, aqui, dando adeus à linguagem num outro sentido que o formulado pelo ex-enfant terrible da Nouvelle Vague.

Para terminar: um público imenso lotou a Sala Claude Debussy para prestigiar a exibição oficial de Lost River na seção Un Certain Regard. Ryan Gosling virou um dos queridinhos de Cannes e sua estreia na direção, numa sessão que unia público e imprensa, foi uma das mais movimentadas deste ano. Muitas adolescentes não queriam saber do filme. Gritavam: “We love Ryan”. Na plateia, estavam o diretor de Drive, Nicolas Winding Fern, que integra o júri da competição, e Wim Wenders. O segundo, vestindo uma elegante casaca, escafedeu-se no final, de certo para evitar o constrangimento de trocar palavras amáveis com o ator e diretor. Ryan Gosling fez sua lição de casa autoral. Lost River retrata um mundo que está morrendo, uma cidade (e personagens) reduzidos a fantasmas. Um pequeno papel cabe à ex-musa Barbara Steele. O vilão, que atormenta o garoto protagonista, chama-se “Frank”. É calcado no vicioso personagem de Dennis Hopper em Veludo Azul. Ryan Gosling mirou em David Lynch. Danou-se. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.