E a luz do tom – as águas de marco – inundaram o inverno berlinense por obra e graça do chileno Sebastian Lelio, que apresentou a primeira unanimidade do festival. Ao contrário do que diz Nelson Rodrigues, nem toda unanimidade é burra e o filme dele – Gloria -, além de ser um energético numa Berlinale que tem se pautado pela descrença no humano e no social, é também belíssimo como cinema. Ainda é cedo para fazer esse tipo de prognóstico, mas vai ser preciso surgir outra atriz realmente fora de série para tirar de Paulina Garcia o prêmio de interpretação que ela merece.
O titulo evoca um cult do diretor John Cassavetes (com Gena Rowlands), que Sidney Lumet, em má hora, achou que podia refilmar (com Sharon Stone). Se existe alguma semelhança, a Gloria de Sebastian Lelio é da geração pinball. Ela começa o filme dançando numa balada de coroas, atravessa todo tipo de experiências afetivas e familiares, e termina dançando de novo. No intervalo, se envolve com um coroa, divorciado como ela, mas ele ainda permanece atado à família, à mulher e às filhas, como um peso. O filme aborda solidão e sexo na idade madura com franqueza. A história de Gloria não é apenas a de um destino individual. Vários toques deixam claro que Lelio está contando uma história – a sua versão – do Chile.
Numa cena, jantando com amigos, Gloria ouve do anfitrião que o Chile, hoje, pode ser muito bem uma ideia plantada do exterior – referência à globalização e aos experimentos econômicos de Milton Friedman que foram a base do boom chileno, sob o malfadado Pinochet. Bye-bye, gracias a la vida – a propósito, o produtor é Pablo Larrain, que contou a história de Violeta Parra. Lelio diz que a inspiração do seu filme veio da própria vida, a poesia cotidiana, do riso e da tristeza, daí a homenagem a Tom Jobim, por meio de Águas de Marco.
As informações são do jornal O Estado de S.Paulo