“Me faz um favor? Se você me vir na beira do precipício, me joga.” Nem da forma mais carinhosa, isso não é coisa que se diga para uma mãe, preocupada com a intensidade dos sonhos dos filhos. Mas era o que Glaucia Nahsser respondia para a mãe há uns quatro anos, quando era questionada sobre a forma com a qual mergulhava em seus projetos musicais. Mas não era coisa de moça marota. A família simples de Patos de Minas, em Minas Gerais, mantinha uma relação pouco próxima com a música, porém suficiente para despertar, já na infância, o desejo da menina em cantar. Foi só após um grave problema de saúde no fim dos anos 90, já casada e criada “gente grande”, que ela sentiu que “a vida não é ensaio”. “Vou tentar nem que seja para dar em nada.”

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Cerca de dez anos se passaram e agora, em novembro, a cantora acabou de concluir o seu quarto disco, “Vambora”, com shows previstos para março de 2011 e que diz muito sobre o que representa o seu cantar. “Vou procurar não encontrar saída / Quando a vida é vivida, fica bem melhor/ E para quem ouve, este é o meu ofício / O precipício faz voar”, diz a música “O Começo do Infinito”, em letra de Carlos Careqa e música de Glaucia em parceria com Tiago Vianna.

O voo a partir desse desfiladeiro amarra todas as faixas do disco e representa também a força de seu primeiro trabalho, lançado em 2003, com letras de Anísio Dias, direção e arranjos de Renato Motha e músicos como o pianista Felipe Moreira, o batera Neném, o baixista Ivan Corrêa e o saxofonista Marcelo Rocha, entre outros. Foi aí que, da sua forma, Glaucia percebeu que cantar, independentemente da crítica e dos melindres do show business, representa o limiar entre a realidade e o sonho, o voo que se materializa em som. E em reconhecimento. “Lábios de Cetim”, do primeiro disco, integrou coletânea de MPB “Acustic Brazil”, lançado pelo selo Putumayo, em 2005, e fez parte da trilha sonora do filme americano “O Visitante” (The Visitor, 2007).

“Para entrar no infinito você precisa se esvaziar. A música só acontece pra mim quando acontece o vazio. No vazio de absolutamente tudo, não tem sofrimento, não tem pensamento, mas tem melodia. Cantar espanta meus males, as minhas paranoias de ser humano”, explica, remetendo à música de Carlos Rennó, que escreveu “Canto, Logo Existo”, faixa que abre o trabalho, que conta com a direção de André Abujamra e arranjos de Márcio Nigro. Na banda, músicos como os bateras Pedro Ito e Cuca Teixeira, o contrabaixista Serginho Carvalho, o pianista Moisés Alves e o percussa Felipe Rosseno, o guitarrista Conrado Goys, entre outros músicos que mantêm o pulso do disco. É bom lembrar: o projeto tem o patrocínio da empresa do setor de agronegócios Syngenta, conquistado por Gláucia após seis anos de batalha.

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Vale a Solidão – Glaucia ainda não sabe, mas sua voz é um instrumento. Especialmente porque, ao compor, ela usa a voz para criar melodias, sem pensar em letras, mas em sensações. Uma vez, reunida com Tiago Vianna em sua casa, ela recebeu o telefonema de uma amiga e teve que parar o papo. “Você está bem”, pergunta Tiago, ao ver o rosto apreensivo da moça. “Eu respondi: vamos fazer música?”, conta sobre como surgiu a música “Daqui Pra Frente”. A sensação da situação que havia experimentado foi canalizada para a voz e, depois, inspirou Alexandre Lemos na letra, que fala de uma mulher cuja “coragem vale a solidão”.

Foi assim também que, com Tiago, por exemplo, construiu a melodia de “Malandra”, com letra de Edu Krieger e um solo de clarinete, na malandragem total de Naylor Proveta, da Banda Mantiqueira. “Ela é essa mulher livre que tem uma malandragem ‘sadia’ que a faz ser Zen, de bem com a vida, ela sente que existe sem precisar que externamente seja vista ou notada”, explica a cantora. Em letra de Chico César, canta em “Vambora”, também, o espírito de uma mulher independente.

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“Todas as mulheres que canto nesse disco e no penúltimo (‘A vida num segundo’) me inspiram muito”, diz. “A sensação que gostaria de passar com esse disco é que as pessoas não tenham medo de se jogarem. Se você não der o seu passo e não tiver coragem de deixar a água chegar ao seu nariz, nada vai acontecer na sua vida.”