Normalmente quando se houve falar do presidente Getúlio Vargas (1883-1954), se associa a ele a criação do salário mínimo, da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, da Companhia Vale do Rio Doce e da Companhia Siderúrgica Nacional. No entanto, nenhuma idéia está mais viva no imaginário social do que esta: Getúlio Vargas “pai” dos pobres.
Essa concepção foi difundida durante o Estado Novo (1937-1945) pelo DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, inaugurado em 1939, cuja finalidade era notabilizar o presidente e aproximá-lo da população para ideologicamente manipulá-la, como afirma Luiz Roberto Lopes (1993): com o DIP “estabeleceu-se o controle policial, a censura das manifestações intelectuais. (…) Ele organizava a publicidade governamental e censurava livros, publicações e diversões públicas”. O teatro, o cinema, o rádio, a literatura e a própria música popular era por ele controlada. De acordo com Silvana Goulart Guimarães (1984), a intencionalidade do governo era evidente: tentar unificar as massas sob a égide da ideologia populista, na tentativa de suplantar a crise de hegemonia que assolava o País. Entenda-se como hegemonia a capacidade de unificar e manter unido, através da ação política, ideológica e cultural, um conjunto de forças sociais heterogêneas e marcado por contradições. Neste momento, surgiu a necessidade de controlar os veículos de comunicação de massa. Era a maneira que o governo via para, utilizando-se do poder coercitivo e dominador, oriundos do governo ditatorial, instaurar uma ideologia comum na mente de todo o povo brasileiro.
A ideologia que impregnou o Estado Novo mascarou a realidade dos brasileiros. O “pai” dos pobres freou as liberdades individuais. Com certeza, Getúlio Vargas promoveu importantes reformas trabalhistas e sociais, mas estas não são obrigações do Estado? Na verdade, Vargas manobrou os indivíduos e imprimiu nas mentes dos sujeitos sociais a alienação.
Uma das referências desse distanciamento entre o poder e a maioria do povo é a Reforma Capanema, como se poder ver:
“O ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo (…). Deverão ser desenvolvidos nos adolescentes os elementos essenciais da moralidade: o espírito de disciplina, a dedicação aos ideais e a consciência da responsabilidade. Os responsáveis pela educação moral e cívica da adolescência terão ainda em mira que é finalidade do ensino secundário formar as individualidades condutoras, pelo que força desenvolver nos alunos a capacidade de iniciativa e de decisão e todos os atributos fortes da vontade”. (grifo meu) Essa Reforma no ensino, realizada na gestão de Gustavo Capanema, ministro de Educação do Estado getulista durante os anos 1934-1945, teve seu início em 1942 e se prolongou até 1961, quando começou a vigorar a primeira LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
É oportuno acrescentar a fala de Ricardo de Moura Faria (1998): “Depois de 1930, o governo Vargas iniciou uma política populista, evidentemente com o objetivo de manipular a crescente classe operária, a partir de determinadas concessões. Nesse quadro, explica-se a aprovação da CLT. Diga-se, a propósito, que esta Lei foi inspirada na Carta Del Lavoro, do fascismo italiano”. Não só essa Lei mas também a Reforma Capanema, já citada, apresentou inspiração fascista, uma vez que ela impôs valores culturais contrários aos princípios da liberdade e do respeito humano.
Getúlio Vargas permanece na história como herói nacional e assim é cultuado por muitos brasileiros. Porém, os documentos e autores apresentados neste artigo negam a mística em torno desse ditador. Antidemocrático e discriminatório, o “pai” dos pobres teleguiou os indivíduos, realizou verdadeira lavagem cerebral na população para exercer o poder. Sendo assim, fica a pergunta: Getúlio Vargas é o pai dos pobres?
Jorge Antonio de Queiroz e Silva é professor e historiador. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.
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