Autores e atores de novela não se cansam de repetir que “novela é uma obra aberta”. Ou seja, não há como prever os rumos das tramas e personagens. Depois de aceitarem embarcar na história esperando os acontecimentos que o autor menciona na sinopse, no entanto, muitos atores acabam descontentes com o papel a que ficam relegados.
As queixas vão desde o pouco destaque dos personagens até a falta de densidade das cenas, passando pelas mudanças de trajetória que acabam resultando em criaturas completamente transfiguradas quando comparadas à idéia inicial. E não é “chilique” de quem espera mais do que merece ou fica aquém das expectativas na hora de interpretar. Engrossam o coro dos descontentes Glória Pires, Antônio Fagundes, Murilo Benício e Nívea Maria, que resume o sentimento de decepção. “As descrições das sinopses são muito pequenas. Às vezes, os autores nos oferecem um banquete, mas o caviar está podre”, compara a atriz, que não cita nomes e obras, mas diz ter passado por um longo “hiato de bons personagens” na tevê antes de interpretar a Edna, de O Clone, e a Maria, de A Casa das Sete Mulheres.
Nem todos, no entanto, fazem questão de manter a diplomacia de Nívea. Pouco depois do término de Por Amor, de Manoel Carlos, Antônio Fagundes não escondia sua insatisfação com Atílio. “Tive três boas cenas na novela. O restante do tempo, só fiz tomar café e uísque”, costumava resmungar. Murilo Benício é outro que ficou insatisfeito com a mesma trama, onde viveu Léo. “Ele vivia à beira de um ataque de nervos, mas nunca explodia. Fiquei sete meses nesse vaivém”, declarou Murilo na época.
Autor de Mulheres Apaixonadas, Manoel Carlos reconhece ser difícil lidar com as expectativas dos atores, mas acredita que nenhum deles defina a participação numa trama pelo que lê na sinopse. “Eles entram nas novelas confiantes de que farei o melhor possível para aproveitá-los. Nesta, fiz questão de avisar que todos teriam seus dias de figurantes. E foi o que aconteceu”, avalia. Algumas das “viradas” previstas, no entanto, acabaram não acontecendo. É o caso de Laura, interpretada por Carolina Kasting. A atriz passou boa parte da trama esperando o momento “atração fatal” de sua personagem. E vai continuar esperando. Da mesma forma, a estreante Pitty Webo cansou de repetir que sua doce Marcinha se uniria ao violento Marcos para lutar pelo amor de Fred. “Mudei o rumo dessas personagens. Pitty me convenceu com sua interpretação suave. Quanto à Laura, é um de meus papéis prediletos e ainda vai crescer até o final, mas também abri mão da vilania”, justifica o autor.
Enganos
Em alguns casos, o ator nem precisa embarcar na canoa para perceber que é furada. Foi o que aconteceu com Glória Menezes ao receber um convite para Vira-Lata, de Carlos Lombardi. Apesar da insistência do autor, a atriz recusou o papel ao ler a sinopse. “Ele me falou uma coisa e percebi que era outra. Quando um autor quer você num trabalho, floreia muito a história”, entrega. Glória Pires, ao contrário, até que chegou a se empolgar bastante com Júlia, a protagonista de Desejos de Mulher, de Euclydes Marinho. Mas, ao final da trama, o que a decepcionou foi a descaracterização da personagem. “Era uma mulher que lutava contra as adversidades e, de repente, passou a viver em função de uma paixão. A história se esvaziou”, criticou Glória.
Um personagem esvaziado foi a hipótese que mais ganhou força assim que começou a circular a notícia da saída de Humberto Martins de Kubanacan. O autor Carlos Lombardi até hoje ri dos comentários de que Humberto estaria insatisfeito por ter “perdido” o posto de protagonista para Marcos Pasquim. “As pessoas nem se dão conta de que é o Enrico quem tem mais cenas. E pela simples razão de que leva uma vida dupla, sendo preciso mostrar o que realmente acontece e o que ele diz que aconteceu”, desdenha o autor.
Parecia, mas foi só engano…
# Marco Nanini não tem boas recordações de Pedra sobre Pedra, de Aguinaldo Silva, onde viveu o “pau-mandado” Ivonaldo Pontes. “Passei vários dias gravando uma procissão sem dar uma palavra! Tinha virado figurante de luxo”, reclama.
# Em Luna Caliente, a decepção de Ana Paula Tabalipa foi com a reação do público. “A Globo esperava o que aconteceu em Presença de Anita: um rosto não muito conhecido para explodir. Mas, infelizmente, isso não aconteceu”, lamenta.
# Glória Pires não esconde que chegou a ter vontade de sair de O Rei do Gado, de Benedito Ruy Barbosa, onde interpretou a insossa Marieta.
# Zezé Polessa esperava outra coisa quando aceitou o convite para Garotas do Programa. Mas o problema, neste caso, foi o estilo do programa. “Não sei fazer aquele humor de chanchada. Até fiz, mas não é uma coisa que me estimule”, justifica.
A dor-de-cabeça dos autores
Donos dos destinos dos personagens, muitas vezes os próprios autores se surpreendem com a trajetória de suas tramas. A justificativa mais comum para mudanças bruscas e situações não previstas nas sinopses é o apelo do público. O autor Antônio Calmon, que lamenta já ter descoberto algumas vezes pela imprensa a insatisfação de atores que trabalharam em suas novelas, reconhece a imprevisibilidade das reações dos telespectadores. Segundo ele, no entanto, as surpresas são bem menos freqüentes quando ele “luta” para ter um determinado ator em seu elenco. “Nesses casos, ?visto? sob medida o personagem para aquele ator”, justifica. Já Walcyr Carrasco, autor de Chocolate com Pimenta, tem uma estratégia para evitar descontentamentos de seu elenco. Ele reconhece que é normal os atores “imaginarem” desenvolvimentos para seus personagens que acabam não ocorrendo, mas prefere não alimentar qualquer expectativa. “Nunca faço promessa a nenhum ator sobre o desenvolvimento do personagem. Até porque ele cria vida nas mãos do ator”, explica. Mas nem sempre a surpresa é negativa. Gilberto Braga guarda até hoje uma carta que recebeu de Pedro Cardoso no final de Pátria Minha. “Vale mais que todos os prêmios do mundo”, garante.