Baiano típico, do estilo que não dispensa uma bermuda e sandálias de dedo, Wagner Moura estranhou muito seus primeiros dias na pele de Gustavo, o mocinho angustiado de A Lua me Disse. Não tanto pelo fato de ser sua primeira novela depois de anos dedicados ao teatro e ao cinema, com passagens pelos seriados Carga Pesada e Sexo Frágil. Mas sobretudo pelo figurino extremamente formal do personagem, que aparece de terno e gravata em quase todas as suas cenas. ?Foi difícil me acostumar, porque parecia que eu ficava completamente engessado de paletó e gravata?, confessa Wagner, rindo de si mesmo.
Em pouco tempo, no entanto, o ator deu um jeito de achar a ginga do personagem, que convive com o drama de ser rejeitado pela mãe, a megera vivida por Zezé Polessa, e com a culpa de ter guardado em silêncio durante dez anos a paixão pela namorada do falecido irmão, a mocinha Heloísa, de Adriana Esteves. Apesar do tom sério e introspectivo de Gustavo, Wagner também já tratou de não deixar o drama contagiar sua interpretação. ?Tento torná-lo mais leve. Afinal, na vida a gente passa por muitas situações difíceis, mas nem por isso perde a alegria de viver e a espontaneidade?, filosofa, em seu irretocável acento baiano.
Em Sexo Frágil, ?o prazer de trabalhar com uma galera…?. |
Aos 28 anos e com um considerável currículo cinematográfico, Wagner surpreende pela serenidade com que fala da carreira, que chegou à tevê sem que ele fizesse esforço. Fala em tom tranqüilo e, às vezes, pára por alguns segundos antes de responder, reiniciando com um sorriso tímido. É exatamente assim, ligeiramente acanhado, que o ator comenta a nova e para ele inusitada posição de galã. ?Sei que este papel é fundamental num folhetim e estou aqui para cumpri-lo. Mas, na minha vida, é um trabalho como outro qualquer?, diferencia Wagner, que disfarça quando o assunto é o provável aumento do assédio feminino. ?Sei do sucesso que faço com a minha mulher. Este eu garanto, o resto, não?, decreta, entre risos, o ator, casado há quatro anos com a fotógrafa Sandra Delgado.
P – Você já tinha recebido outros convites para atuar em novelas. O que o fez aceitar desta vez?
R – Nem era uma coisa que eu estava pensando muito em fazer, não era um objetivo na minha carreira. Mas foi um convite muito simpático, gentil, generoso, sem dúvidas o melhor personagem que já me ofereceram em novelas. Então, foi impossível recusar. Além disso, eu esperava que a gente fosse continuar fazendo o Sexo Frágil, ou emplacar o Programa Novo, mas não obtivemos resposta da emissora, e acabou sendo um momento propício para aceitar o convite também. Acho que o Miguel, a Maria Carmem e o Roberto Talma foram muito corajosos em me chamar. É minha primeira novela e já me chamaram para um papel grande, de protagonista. Havia a possibilidade de eu fazer o Tadeu, que também é um personagem ótimo, mas fiquei logo de olho no Gustavo, porque achei que era bem mais diferente do que o que eu já tinha feito. Graças a Deus, foi com ele que deu certo. Só tenho a agradecer e tentar retribuir com o meu trabalho.
P – E a responsabilidade de virar galã, não assusta?
R – Tenho tentado não pensar nisso como uma responsabilidade. Quando à história do galã, vejo isso de uma forma muito objetiva. O folhetim tem na sua estrutura três personagens que são imprescindíveis: o galã, a mocinha e o vilão. Sob este ponto de vista, acho que, se estou aqui, tenho de cumprir este papel. Há coisas que o mocinho tem de fazer: ele tem de ser modelo de dignidade, integridade, virilidade, tem de ser um cara que as pessoas estão acostumadas a ver nos folhetins. É assim que é e é este o papel que tenho de cumprir. Agora, para mim, para a minha vida pessoal, vejo isso como um trabalho como qualquer outro, como tudo o que já fiz. Já fiz mulher, matadores e bandidos. Agora sou o galã da história.
P – Você acha que sua experiência em comédia pode ajudar de algum modo a fazer o Gustavo?
R – Acho que pode ajudar muito, justamente para não deixá-lo muito pesado, muito duro. Todos nós, na vida, passamos por situações difíceis, mas nem por isso perdemos a alegria de viver e a espontaneidade.
Coisa de adolescente
Em Deus é Brasileiro, com Antônio Fagundes e Paloma Duarte. |
Criado em Rodelas, no interior da Bahia, Wagner Moura demorou a se ambientar em Salvador, sua terra natal, para onde voltou no início da adolescência. Uma espécie de sentimento de inadequação, que o acompanhava desde que tinha começado a freqüentar o novo colégio, só se dissipou graças ao teatro. Uma amiga o convidou para freqüentar um grupo de amadores e logo ele percebeu ter encontrado sua turma. ?Era um garoto solitário, problemático, não me identificava com os colegas da escola. Naquele grupo, achei uma resposta a um monte de coisas que queria na vida?, lembra.
Daí para o trabalho profissional sobre os palcos foi só uma questão de tempo. Aos 16 anos, ele gosta de ressaltar, já ganhava uns trocados em espetáculos na capital baiana. Seguiram-se diversos trabalhos até que, com a ida para o Rio de Janeiro, em turnê com a peça A Máquina, de João Falcão, a carreira de Wagner começou a ganhar projeção nacional. Depois de participar de filmes como Abril Despedaçado e Deus é Brasileiro, o ator fez sua estréia na tevê, no seriado Carga Pesada. No programa, atuou ao lado de Stênio Garcia e de Antônio Fagundes, com quem tinha dividido a cena em Deus é Brasileiro. Antes de A Lua me Disse, sua primeira novela, Wagner participou ainda dos humorísticos Sexo Frágil, que ficou no ar durante duas temporadas, e Programa Novo, exibido uma única vez no final do ano passado, ambos do núcleo de João Falcão. ?Eram programas de galera, que fazia com meus amigos. Foram experiências ótimas?, comemora.
No meio do caminho havia uma máquina
Não fosse pela peça A Máquina, de João Falcão, Wagner Moura provavelmente não teria saído de Salvador, onde continuaria emendando uma produção teatral na outra. O espetáculo, que estreou em Recife em 2000, seguiu para o Festival de Teatro de Curitiba e fez temporadas badaladíssimas em São Paulo e no Rio de Janeiro, totalizando dois anos em cartaz. Desde então, as carreiras dele e dos também baianos Lázaro Ramos e Vladimir Brichta nunca mais foram as mesmas. Lázaro, como Wagner, foi direto para o cinema e depois para o humorístico Sexo Frágil, enquanto Vladimir estreava em novelas da Globo. ?É engraçado, porque a peça fala de um menino que queria dar o mundo para a mulher que amava. A gente, quando é jovem, tem muito esta ambição de ganhar o mundo?, compara Wagner, garantindo, no entanto, nunca ter sonhado com a fama instantânea da tevê. ?Meu negócio era o teatro mesmo?, frisa.
Pois foi justamente em função do teatro que Wagner acabou descoberto pelo cinema, no qual já foi premiado. Ele levou o título de melhor ator no CineCeará por sua atuação como o matador de aluguel Jesuíno Cruz em As Três Marias, de Aloísio Abranches. Em cinco anos, seu currículo já conta com 10 produções cinematográficas, incluindo os ainda não lançados Cidade Baixa, do baiano Sérgio Machado. ?Espero que contribua para o fortalecimento do cinema que se faz na Bahia, ele anseia, e A Máquina, que acabou chegando à tela grande também. ?Este trabalho foi uma junção muito especial de energias. É o tipo de projeto que acontece na vida de um ator de 15 em 15 anos?, derrama-se.