No próximo dia 26, Maria da Graça, Gracinha, Gau, ou melhor Gal Costa, entra
para a turma dos 60 anos, da qual já fazem parte contemporâneos seus como
Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda. Mas Gal não está nem aí.
"Pareço ter 45, 47 anos", diverte-se. Para ela, a canção "Hoje", faixa-título de
seu novo CD (o primeiro dela lançado pela gravadora Trama) vem ao encontro do
que sente em relação às últimas seis décadas. Chega até a parafrasear um trecho
da canção para justificar as próprias convicções: "Eu posso esquecer/Para ser
mais feliz/Mas não vou mudar nada/De tudo que eu fiz", diz.
Cidadã
paulistana, com direito a título oficial, a cantora resolveu sair da Bahia e se
instalar em São Paulo, uma vez que a cidade já configurava na rota constante de
seus trabalho. Isso facilitou sua vida durante o período de gravação do álbum
"Hoje", feito num estúdio de São Paulo. Lá, ela se confinou por dois meses com o
produtor Cesar Camargo Mariano e uma trupe de jovens músicos, na faixa dos 20 e
poucos anos, escolhidos pelo próprio Cesar.
Um período estressante,
cansativo, cheio de expectativas mas, para Gal, longe de ser penoso. "Tenho um
relacionamento muito próximo com os músicos", afirma. "Com os da minha banda, a
gente fica junto nos camarins, me sinto mais um da banda. Gosto dessa
cumplicidade. Não tem essa coisa de estrela." E foi justamente esse espírito de
proximidade entre cantora e músicos que Cesar quis provocar no novo
CD.
Ele e Gal já chegaram a trabalhar juntos em outros projetos, desde a
década de 80: ele fez arranjos para algumas canções do disco Baby Gal e os dois
estiveram envolvidos em um songbook com músicas de Cartola. Eles voltaram a se
encontrar, há dois anos, num show especial no Carnegie Hall, nos Estados Unidos,
em homenagem a Tom Jobim. O músico disse que queria fazer um CD com repertório
de Chet Baker com ela. "Topei na hora." Mas o projeto, que está previsto para
sair pela Trama também, ficou para depois.
Com Cesar Camargo, veio
primeiro o CD "Hoje", cujo repertório agrupa basicamente músicas de autores
desconhecidos. Com ajuda de Carlos Rennó, Gal trouxe à luz compositores que
contabilizam muito tempo de estrada e já haviam gravado quase todas as canções
pinçadas por ela em seus respectivos CDs independentes, como é o caso de Péri,
Moisés Santana, Junio Barreto, entre outros.
Mas a cantora não conseguiu
deixar de fora duas músicas inéditas compostas especialmente para ela por
Caetano Veloso, e Chico Buarque e Zé Wisnik. Segundo ela, são compositores que
não se pode dispensar. "Antes mesmo de pensar em gravar esse disco, eu havia
pedido a Caetano uma música, com bastante antecedência para ele ter tempo. O
Chico já havia me dado a melodia na época do show ‘Todos as Coisas e
Eu’."
Gal diz ter esse projeto – o de gravar compositores desconhecidos –
há tempos. Segundo ela, não foi, de maneira alguma, por impedimento das antigas
gravadoras que não o gravou antes. Para todas elas, a BMG, a extinta Abril Music
e Indie Records, Gal Costa deixou, pelo menos, um CD com regravações.
Por
esse motivo, a crítica especializada acreditava que a carreira da cantora havia
perdido o rumo e já lhe cobravam um álbum com novidades. Para ela, essas
mudanças de foco são habituais em sua discografia. "As coisas ocorrem no momento
certo", completa. "Na verdade, eu disse há quatro anos que queria fazer um disco
de inéditas, mas também não é fácil gravar um disco assim, mesmo com músicas de
compositores como Caetano, Chico. Os compositores fazem música para eles
próprios gravarem, cantarem."
No novo álbum, Gal acertou a mão na escolha
dos autores, feita sob aconselhamento de Cesar. Já Cesar imprimiu um refinamento
e um engrandecimento aos arranjos de uma forma que lhe é muito característica. O
produtor, que vive há anos nos EUA e aperfeiçoa suas habilidades técnicas com os
gringos, é um perfeccionista convicto e famoso por seu apuro musical. Isso
contribuiu e muito para dar uma coerência cool a um repertório pontuado pelas
melodias africanas do congolês "Lokua Kanza" (que ainda faz participação
especial na faixa "Sexo e Luz"), a romântica "Voyeur", de Péri, o samba-canção
"Pra Que Cantar", do artista plástico Nuno Ramos, a melancólica "Luto", de
Caetano.
Para a cantora, esse (re)encontro com o músico coincidiu com um
momento de maturidade dos dois. "Sou essencialmente cool e o Cesar está numa
fase bem cool, tocando daquela forma linda. Ele tem um estilo musical próprio, é
um músico extraordinário", derrete-se."Músicas como "Jurei" é bem a cara dele,
aquele suingue de samba no piano é a marca dele."
Cesar Camargo não vai
poder acompanhar Gal no piano na nova turnê da cantora pelo País. De acordo com
ela, é bem provável que os ensaios sejam marcados para o final de setembro e o
novo formato de show sairia na seqüência. Gal já planeja ser acompanhada por um
quinteto de músicos e um "computadorzinho", que se encarregará de reproduzir
recursos pré-gravados. Para o repertório, canções do novo disco, músicas que já
gravou e talvez até algumas que nunca tenha cantado. E mais uma música de autor
desconhecido que ficou de fora do novo CD, mas vai estar no DVD do show. "Mas
não vou dizer quem é para não roubarem de mim", diz sorrindo.
O "Hoje" de
Gal é esse: voltado para seu novo CD, seu novo show, sua nova cidade. O seu hoje
também é de "entristecimento" em relação à crise política do País. "Essa prática
política do toma-lá-dá-cá vem de muitos anos, mas o PT tinha um discurso de
acabar com isso. Vemos um monte de dinheiro jogado fora", critica a cantora, que
deu seu voto a Lula. "Não posso imaginar um presidente da República que não
saiba de tudo o que esteja ocorrendo à sua volta, a não ser que fosse um mero
boneco. Posso até reiterar a frase de Caetano e Chico: estou de coração
partido."