Gaijin é inspirado nas experiências familiares da própria diretora, Tizuka Yamasaki

Mãe de três filhos, Tizuka Yamasaki não saberia escolher entre eles. Tudo, menos a escolha de Sofia. Ela ama os três, com igual intensidade. Tizuka compara os filmes a filhos, mas aí ela faz distinção. Sua filmografia inclui cinco autorais e três de encomenda. Por melhor que tente fazer os filmes com Xuxa ou os Trapalhões, não são filmes dela. Seus filmes autorais são Gaijin, Caminhos da Liberdade, Parahyba Mulher Macho, Patriamada, Fica Comigo e agora Gaijin, Ama-me como Sou.

Foi um filme difícil de fazer, ao qual dedicou muitos anos. Gaijin 2 (o número não existe, é só para situar no tempo) começou a nascer em 1996, quando ela foi convidada a fazer um documentário sobre dekasseguis, os descendentes de japoneses que vão trabalhar, às vezes em condições quase escravas, no Japão. Foi quando retomou o projeto original. Em 1980, ao lançar Gaijin sua idéia era fazer uma trilogia sobre a emigração japonesa no País. Àquele deveriam seguir-se outros dois, um sobre os japoneses no Brasil durante a 2ª Guerra, e outro sobre os descendentes de japonesas que voltam à pátria mãe.

De alguma forma, ela funde em Gaijin 2 os dois que faltavam. O filme que estréia amanhã (1) ganhou os principais prêmios no recente Festival de Gramado. Aos Kikitos de filme e direção, somou o de atriz coadjuvante, único com o qual os críticos não implicaram. Pois desde que Gaijin 2 repetiu os prêmios que recebeu em 80, também em Gramado, Tizuka tem colhido muitas pancadas. As pessoas são calorosas. Ela já ouviu palavras de espectadores que "justificam a luta de todos estes anos". Já a crítica… Mais que as restrições, em si, o que a incomoda é o teor furioso das críticas. "É como se tivesse feito algo errado e quisessem me punir."

Em Gramado, Gaijin 2 foi definido como melodrama descabelado. Tizuka é de um tempo em que o melodrama era tido como coisa menor pelos intelectuais. Melodrama descabelado é algo que ela não consegue nem imaginar, de tão pejorativo que parece. E aí ela defende a cria. Volta a Tizuka obstinada que é touro no horóscopo ocidental e búfalo no chinês. Admite que, às vezes, é um trator. Não gostaria de ser, mas é. Essa Tizuka trator defende Gaijin 2 como um filho injustiçado. O que para os outros é melodrama descabelado, para ela é vida. O repórter tenta ajudar, citando Douglas Sirk, o rei do melodrama, cujo lirismo transcendia o melô: "Meu ideal é a tragédia grega, em que tudo se passa na família, num mesmo lugar. E essa família é idêntica ao mundo, é o símbolo desse mundo."

Gaijin 2 é sobre a família, baseado nas experiências familiares de Tizuka. A batchan, vovozinha, do filme é inspirada na avó dela, que tem 102 anos. Frases inteiras que a batchan diz no filme são de sua avó. E há coisas mais pessoais ainda. Tizuka queria falar das mulheres de sua geração, mulheres-trator como ela, que assumiram carreiras e foram em frente, obstinadas até na hora de criar os filhos. Mulheres dispostas a provar que os homens não são necessários. Quer dizer, são naquela hora, mas depois não há nada que uma mulher não possa fazer por si, com sua força.

Por isso, ela ama a cena de Gabriel e Maria, personagens de Jorge Perrugoría e Tamlyn Tomita, quando quebram os pratos e se acusam. Ela diz que ele nunca assumiu a filha. Ele retruca que nunca teve espaço, ela não deixou. É um filme autoral de R$ 10 milhões – caro para o padrão brasileiro, mas modesto para o internacional. "Nos EUA, se disser que fiz este filme com US$ 20 milhões, ninguém vai duvidar." Entre a pré-produção e a estréia passaram-se cinco anos. Houve falta de dinheiro, interrupções de filmagem, até a morte de uma atriz (Nobu MacCarthy, a quem Gaijin 2 é dedicado). Tizuka enfrentou tudo. Agora, diante da adversidade da crítica, está cansada. Espera pela reação do público.

Durante muito tempo, seu drama pessoal foi ser uma gaijin. Não queria ser cineasta nipo-brasileira, mas brasileira. Só que a criação japonesa foi muito forte. "Somos educados para não mostrar os sentimentos, para não falar, não nos expor." Tizuka foi sempre contra tudo isso. Expõe-se mais uma vez. A crítica que mais lhe dói é a feita aos atores. Perrugoría e Tamlyn derrubam o filme, a dublagem de ambos é sofrível. Mas ela ama seus atores, diz que a dublagem é tecnicamente perfeita. Se for para criticar alguém, se alguém tem culpa, é ela. Mas não é o momento de mea-culpa. Sua expectativa é pela reação do público. Não quer pensar em números ou enlouqueceria. Gostaria de ouvir algo como o que uma garota de origem japonesa lhe disse em Porto Alegre, há 25 anos. Só depois de ver o primeiro Gaijin, ela teve coragem de sair de casa e enfrentar o mundo. A saga dos gaijins continua. Tizuka quer atingir a família. "O público deste filme é o familiar", garante. Ou espera.

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