Futuro incerto na telona

São Paulo – O alerta foi dado por Hector Babenco: se o cinema nacional vive uma euforia em 2003, o mesmo não pode se esperar para os próximos dois anos. “Com a demora na definição da política de incentivos por parte das estatais, a produção neste ano foi prejudicada e corremos o risco de não ter longas suficientes para ocupar os cinemas nas próximas temporadas”, disse o cineasta, quando Carandiru foi indicado para representar o Brasil no Oscar de melhor filme estrangeiro.

A situação crítica preocupa, de fato, a maioria. “Realmente, deverá acontecer uma queda na produção; só espero que não seja um baque fortíssimo, mas administrável”, afirma Fabiano Gullane, produtor-executivo e co-produtor de filmes como Carandiru e Bicho de Sete Cabeças. “A esperança é que os resultados de 2004 sejam mais próximos deste ano do que de 2002.”

“Nosso cinema está em uma encruzilhada”, completa o diretor Murilo Salles. “E, sem a Globo Filmes, seria pior, pois o público não seria tão representativo”. A concordância vem de Paulo Sérgio Almeida, diretor do site Filme B, que aponta, em um boletim divulgado na rede, três explicações precisas para o expressivo crescimento de público de filmes brasileiros neste ano: o desenvolvimento do setor de exibição, a administração de uma parte dos lançamentos pelas grandes distribuidoras americanas e a visibilidade que a Globo Filmes trouxe para as produções nacionais.

De fato, desde as simples citações em novelas como Mulheres Apaixonadas até inserções comerciais durante o Jornal Nacional, houve um aumento considerável na venda de ingressos já na primeira sessão logo após a divulgação. E o fôlego do cinema em 2004 deverá estar diretamente condicionado aos próximos lançamentos em que a Globo Filmes participa na co-produção, como Olga, longa que vai custar R$ 12 milhões e cujas filmagens foram encerradas nesta semana por Jayme Monjardim; e Sexo, Amor e Traição, de Jorge Fernando, com custo avaliado em US$ 1 milhão. Ambos diretores de televisão e ambos estreantes em cinema, o que esquenta o debate sobre o problema de uma possível homogeneização estética.

Afinal, o próprio Monjardim, em entrevista recente, admitiu que pretendia criar um ritmo ágil para o filme, baseado em sua experiência na televisão. “Não quero abrir mão do meu estilo de contar história, mas estou consciente de estar fazendo um produto para o cinema”, afirmou.

“Não se trata da questão de ser favorável ou não à vinda de diretores da TV para o cinema – eles, aliás, já provaram sua competência”, comenta Salles. “O problema é saber se o Brasil está devidamente refletido no cinema apoiado pela Globo. Na televisão, o cotidiano brasileiro é retratado com boa fidelidade, mas, na tela grande, nem sempre isso acontece.”

Diferenças

Para Monique Gardenberg, diretora de Benjamim, a questão não pode ser definitiva. Ela lembra, por exemplo, que a produtora carioca apoiou filmes cujo conceito foge da linguagem televisiva. É o caso de Carandiru. “Certamente, o Babenco não precisou fazer nenhuma concessão, pois, caso contrário, não teria participado da produção”, afirma Monique, para quem a preocupação deve ser outra: “A Globo sempre incentivou o trabalho de profissionais competentes, o que reflete no cinema. O que é necessário é a existência de duas pontas, ou seja, para cada filme da Xuxa é preciso que o público tenha à disposição a nova experiência de Júlio Bressane”.

Como produtor associado em Carandiru, Fabiano Gullane conta que a parceria com a Globo Filmes foi excepcional, pois mudou o padrão e a visibilidade do filme no mercado. “Só temo a insistência de se transformar em cinema produtos aprovados antes na televisão, como Lisbela e o Prisioneiro, Os Normais, Casseta e Planeta, comenta. “De resto, a presença da Globo é importante e deveria incentivar as demais emissoras a criarem seus braços cinematográficos, como SBT Filmes, Record Filmes e Band Filmes. A concorrência favoreceria o cinema brasileiro.”

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