Foi como se um furacão tivesse passado por Paraty, mas cujos ventos plantaram ideias ao invés de destruir. Lázaro Ramos chegou à cidade fluminense, na quarta-feira, 26, na condição de um dos autores participantes da 15ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, encerrada neste domingo, 30, e se foi, no sábado, 29, aclamado como pop star ou, mais conveniente, um best-seller, depois de todas suas participações no evento terem arrastado pequenas multidões. “Fiquei realmente surpreso com essa recepção, foi muito além do que eu esperava”, disse ele à reportagem, poucos minutos antes de voltar ao Rio de Janeiro. “Mas não acho que o jogo está ganho, há muito ainda o que se fazer.”

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Por conta de seu livro recém-lançado, Na Minha Pele (Objetiva), no qual estabelece um diálogo franco com os leitores sobre pluralidade cultural, racial, étnica e social, Lázaro foi convidado pela Flip. Afinal, ao criar um caldeirão de ideias, no qual se misturam autobiografia e diário, costurados por uma escrita sincera, ele se aproxima das grandes temáticas defendidas por Lima Barreto, o escritor homenageado desta edição. E, como a sessão de abertura, na quarta, previa uma palestra proferida pela historiadora Lilia Moritz Schwarcz, autora de um dos mais importantes livros do ano (Lima Barreto: Triste Visionário, pela Companhia das Letras), nada mais natural que uma participação de Lázaro, que dramatizou textos do homenageado. Mesmo com pouco ensaio, a dupla impressionou pela química e, quando os dois foram para a Praça da Matriz, onde havia mais de mil pessoas, aconteceu a primeira apoteose: uma estridente ovação.

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“Sempre busquei me comunicar com as pessoas da forma mais útil, especialmente na época atual, em que enfrentamos dificuldades de aproximação, de se estabelecer pontos de contato”, observa. De fato, o simples fato de ouvir com atenção fez enorme diferença. Na manhã de sexta-feira, 28, por exemplo, quando conversou com a jornalista Joana Gorjão Henriques sob o tema A Pele Que Habito, Lázaro e a plateia foram às lágrimas com discurso de uma professora aposentada, Diva Guimarães, e seu relato sobre como sempre enfrentou o racismo com a educação e a cultura. “Ela falou durante 12 minutos, tempo que ninguém costuma ter em palestras, mas, além de nos emocionar, dona Diva revelou ser um exemplo do nosso caráter histórico e esperava apenas por um gesto de aproximação.”

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Terminada a palestra, Lázaro fez questão de abraçá-la e de oferecer seu livro. Ainda ao Estado, o ator/autor fez questão de lembrar que sua obra literária é uma extensão de seu trabalho artístico. “É a possibilidade de estabelecer diálogos que norteia minhas escolhas no cinema, teatro e TV. Não sou escritor e esse carinho veio de uma forma muito forte.” Para a autora Conceição Evaristo, Lázaro conquistou Paraty pela franqueza. “Ao ler Lima Barreto, ele parecia personificar o escritor, tamanha a verdade de suas palavras”, disse.

É a imagem do artista preocupado com questões da sociedade que explica a repercussão na Flip – na manhã de sábado, sua participação em um evento promovido pelo jornal Folha de S. Paulo provocou a formação de uma imensa fila, com a maioria das pessoas escutando suas palavras do lado de fora. Mesmo com o sucesso, Lázaro sabe que ainda há muito o que fazer. “Quero acreditar que todos aqui tenham se transformado em embaixadores da luta contra o preconceito”, disse à reportagem.

“Lázaro é uma pessoa fundamental: sincero, humano, crítico, amoroso e dono de uma voz e um protagonismo potentes”, observa Lilia Schwarcz. “Se tem uma inserção diferente daquela que Lima Barreto conheceu, assim como o escritor de Todos os Santos, ele ‘descobriu’ sua cor a caminho da cidade grande e acabou porta-voz de questões inadiáveis de nossa agenda: a crítica ao feminicídio, à falta de inclusão social em nossa sociedade, a todas as formas de racismo. Ele é também defensor da solidariedade e do diálogo como forma de conversa e de entendimento. Isso sem esquecer sua defesa da educação e de uma compreensão da cultura de maneira mais ampla. Que inclua o que aprendemos das sociedade europeias, sem se esquecer das nossas tantas culturas vivas e que se recriam no Brasil, como as indígenas e as africanas. Esses são o livro e a pessoa na hora certa – e inadiável.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.