Fred Melo Paiva lança ‘Bandido Raça Pura’

A última vez que o repórter mineiro Fred Melo Paiva pisou numa redação foi em janeiro de 2012, em uma rápida encarnação na revista Época Negócios. De lá para cá, seu negócio passou a ser outro: televisão. É ele o jornalista da bem-sucedida série O Infiltrado, do History Channel. No programa, ele é uma espécie de etnógrafo e observador participante que se intromete em universos desconhecidos – o mundo dos pastores evangélicos, o metiê das lutas de vale tudo, a “cultura” da música sertaneja – e desconcerta os participantes com perguntas demolidoras e frases de efeito num tom que combina sua mineirice quase naïf com o espírito punk rock, jamais desencarnado, de sua adolescência. Bom para ele que a série estreia sua segunda temporada em agosto, mas é uma pena ver um tal talento da reportagem escrita vazar para fora das páginas dos jornais e revistas. De que dá provas o livro lançado nesta terça-feira, 27, pelo selo gaúcho Arquipélago Editorial.

Bandido Raça Pura traz 36 perfis de gente ilustre, humanos anônimos, animais irracionais e até seres inanimados, publicados em uma década de desabalada carreira na imprensa brasileira – em sua quase totalidade, no caderno dominical Aliás, do jornal O Estado de S.Paulo. Nesses textos, a precisão na apuração e a integração criativa da forma de narrar com o conteúdo dos fatos, evocam os melhores momentos do new journalism americano, que revelou, nos anos 50 e 60, autores para além de repórteres, como Tom Wolfe, Gay Talese e Truman Capote.

Não é por outra razão que, no prefácio do livro, o jornalista Ricardo Setti, que descobriu Fred ainda “foca” (iniciante, no jargão da profissão) na estelar redação de Playboy dirigida por ele em 1996, pontificar que em suas reportagens “o jornalismo se alça à categoria de arte”.

Na primeira parte da coletânea, por exemplo, Fred dribla os interditos em torno da figura pública de Ronaldo Nazário para narrar em detalhes, e em clima de locução de futebol, a aventura do craque com três travestis em 2008 no Rio de Janeiro.

Com a irreverência quase cruel que é a marca dos seus textos, o repórter descreve o sorumbático ambiente do escritório de Oscar Niemeyer e desconstrói (sin perder la ternura) o centenário mito da arquitetura brasileira, descrevendo-o “pequenininho, frágil e orelhudo”.

Polêmica maior causaria sua reportagem sobre a Daslu, templo paulistano do alto luxo, contada pelos olhos dos moradores de uma favela vizinha. O texto, publicado em 2005, provocou uma reação furibunda de representantes da marca, que pediram (em vão) a cabeça do repórter. Fred acabaria, como diz, “absolvido” pela Operação Narciso, da Polícia Federal, que pôs a loja na berlinda pouco depois.

“Escolhendo as matérias para o livro, além da nostalgia dessa época percebi que sou muito melhor por escrito do que televisionado”, brinca Fred, que procura exercitar a verve nas narrações em off que escreve para o programa e na coluna em homenagem ao Atlético Mineiro, seu time de obsessão, que mantém no jornal Estado de Minas.

Diante da revolução digital que pôs em xeque o jornalismo, Fred lamenta menos a redução de vagas e os salários achatados do que a perda do ambiente vibrante que reinava nas redações, com muita troca de experiências e competição pelo melhor texto. Mas acha que o interesse renovado do mercado editorial por livros como o dele possa significar algum tipo de renascimento: “Há dois anos eu só conseguia enxergar crise. Hoje, já acho que tem alguma coisa acontecendo”. Tomara que Fred esteja certo e talentos como o dele continuem se infiltrando nas redações do futuro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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