Fragilidade das relações inspira Júlia Rezende no ótimo ‘Ponte Aérea’

Foram cinco anos desde que Júlia Rezende começou a trabalhar no projeto que virou Ponte Aérea. O filme estreou na última quinta. É ótimo. Mas não foram cinco anos de dedicação exclusiva. No intervalo, aconteceram Meu Passado Me Condena 1 e 2. Convidada a dirigir o primeiro, Júlia saiu-se muito bem. O filme estourou, deu-lhe confiança como diretora (e a confiança do mercado). Ela filmou o 2, que agora monta. A todas essas, Ponte Aérea ficou pronto, estreou. Para Júlia, é um filme mais pessoal. “Ah, fui eu que escrevi, e isso faz toda a diferença na hora de filmar. Não renego Meu Passado. Nãããoooo. Adoro trabalho com o Fábio (Porchat) e a Miá (Mello). Mas o Ponte Aérea é o ‘meu’ filme geracional. Havia lido o sociólogo polonês Zygmunt Bauman e fiquei siderada pelo conceito dele do amor líquido. É uma coisa da minha geração, o ficar sem se envolver de verdade, a fragilidade dos laços humanos, e eu queria mostrar o que há por trás dessa atitude.”

Ponte Aérea é sobre um casal que se conhece por conta de um problema de aeroporto. O voo deles é desviado para BH, eles passam a noite no hotel e, de desconhecidos, tornam-se amantes de uma noite. Ela é uma executiva paulista, ele um bon-vivant carioca, um grafiteiro.

Envolvem-se, mas tudo vem muito rápido para o personagem de Caio Blat. Seu pai está morrendo, ele descobre que tem um meio-irmão, e que terá de assumir esse garoto.

Assumir uma mulher, um quase filho (pela diferença de idade com o irmão). É demais. Caio surta. Como Danton Mello em Superai, como os vitelloni de Os Boas-Vidas, de Federico Fellini, ele é um garoto crescido, com medo de amadurecer. Há um gato na história. Chama-se, não por acaso, Feline.

Assim como se inspirou em Bauman, Júlia escreveu Ponte Aérea para Caio Blat. Na entrevista que deu ao jornal O Estado de S. Paulo, o ator já falara de sua proximidade com a diretora. “Sou amigo da Júlia há muito tempo, fui padrinho do casamento dela com Sílvio Guindane, que também é meu amigo e, no filme, faz meu melhor amigo.” Embora as diferenças entre Rio e São Paulo, cariocas e paulistas, esteja no centro de Ponte Aérea, Júlia nunca se preocupou com o fato de Caio ser paulista. “Confiava no talento dele e sabia que, com o figurino adequado, algumas tatuagens e maquiagem de bronzeamento, ele faria o carioca típico, o rato de praia. Só tive de trabalhar com ele o sotaque, botar uns SSs a mais para fazer o Caio chiar.”

Com Caio na cabeça, restava a Júlia escolher sua ‘paulista’. “Letícia (Colin) tem feito teatro, cinema, TV. É atriz de musicais. Conheci-a através de meu pai (o cineasta Sérgio Rezende). Fizemos uma audição, Letícia foi ótima com o Caio. Já tinha a minha dupla.” O que houve depois foi muito ensaio para colocar a dupla na pele dos personagens, e os diálogos na embocadura de ambos. Foi um filme em família. Marisa Leão produz, Júlia, sua filha (com Sérgio Rezende) dirige, a outra filha, Maria, é a montadora. “Minha mãe é um sonho de produtora. Dá todo apoio para a gente. E a Maria, que já montava enquanto eu filmava, me deu algumas ideias muito boas. Filmei planos adicionais que ela considerava necessários para a finalização de certas cenas. E a Maria tinha razão. O filme flui melhor, embora sejam coisas pequenas que o espectador nem nota.”

Ponte Aérea remonta a uma tradição de comédias românticas que talvez tenha tido em Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos Oliveira, seu melhor exemplo. Paulo José, em Todas as Mulheres, já vivia o dilema de desistir das demais mulheres por amor a Leila Diniz.

Júlia sente-se lisonjeada quando o repórter diz que Ponte Aérea, de certa forma, é o Todas as Mulheres para 2015. “Num mundo cada vez mais dinâmico e veloz, a verdade é que as pessoas têm medo de amar”, a diretora e roteirista reflete, pegando carona em Zygmunt Bauman. Menos ela. Para Sílvio Guindane e Júlia, não têm essa de amor líquido. Assumiram a ligação, estão felizes na carreira e no amor.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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