Mais do que uma narrativa, a série 360 Metros Quadrados, do fotógrafo Pedro David, é uma espécie de coleção. Para o artista, segundo suas palavras, de interpretações livres e subjetivas dos efeitos da ocupação de sua família no terreno de 360 m² onde ele, a mulher e o filho vivem no bairro de Nova Lima, em Belo Horizonte. Mas, para o curador Agnaldo Farias, que assina o texto da exposição de Pedro David na galeria Blau Projects, em São Paulo, este premiado trabalho do mineiro revela, mais ainda, a reunião de “pequenos milagres”.
Na mostra, que fica em cartaz até 13/7, 18 fotografias em preto e branco – algumas em grande formato, outras, menores – convivem com esculturas em bronze sobre pedestais – e parte das peças repousa em maços de algodão. Não há figura humana nas imagens, mas também não é o caso de dizer que as obras apenas registrem os indícios de uma vida familiar. Pedro David, como ele conta, cria e encontra (ou encontra e cria) “um mundo particular” em 360 Metros Quadrados, um fascinante e delicado universo de construções que levam o espectador para um outro tempo.
“Em uma época tão digital, tão eletrônica, uma coisa orgânica cria uma confusão temporal”, diz Pedro David. O fotógrafo usa o preto e branco quando existe a predominância da cor, como ele destaca. Mais ainda, há também a decisão de criar as imagens da série com uma câmera de 4 x 5 polegadas munida do Polaroid 55, um filme “muito querido” por profissionais antigos (entre eles, o norte-americano Robert Mapplethorpe) e, desde 2008, já não mais fabricado. “Compro de estoque de outros fotógrafos do exterior, pela internet, e, às vezes, vem tudo estragado”, afirma o mineiro.
Tecnicamente, a câmera de grande formato é um meio que requer um fazer lento – e, mais ainda, preciso pois cada imagem é “uma chapa”. “Acho que ser sintético é próprio da fotografia”, considera Pedro David. As margens deixadas nas imagens remetem ao dado técnico e nos transporta para o histórico, entretanto, é o jogo de escalas e dos elementos presentes nos trabalhos do artista – “sutis e misteriosas ambiguidades”, escreve Agnaldo Farias – que impulsiona ainda mais a investigação do “sentido profundo do que chamamos real”, como aponta o curador em sua análise.
Sendo assim, em uma das imagens de 360 Metros Quadrados, por exemplo, uma simples mangueira de aguar o jardim sobre o chão “parece um rio” e a fotografia do interior de uma lareira faz o acúmulo de carvão lembrar uma montanha, como descreve Pedro David. Criar confusões de escala e de tempo, portanto, é uma maneira de dizer “que esse mundo não é tão entendido assim”, define o fotógrafo.
Iniciada em 2012, graças ao 12º Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, recebido naquele ano, e à bolsa do programa Photoquai Residencies do Musée du Quai Branly de Paris, conquistada em 2013, a série 360 Metros Quadrados já foi tema de palestra na instituição francesa e exibida nos EUA, em Singapura e em Madri (onde foi premiada com o 1º Prêmio Nexofoto), mas é a primeira vez que, finalmente, é exposta no Brasil. Para a ocasião, o trabalho de Pedro David traz algo novo, a presença das esculturas em bronze feitas por ele em 2016.
“Sempre tive uma curiosidade com objetos”, afirma o fotógrafo, também sempre aberto a experimentações. Na verdade, a escultura, como ele diz, tem um lugar próprio em sua produção artística de uma maneira geral – na obra Última Morada (2010), o mineiro, como exemplifica, fotografou os pertences da casa de sua mãe, que havia acabado de morrer.
“Em 360 Metros Quadrados, começo não só a modelar, mas a transformar coisas”, conclui o artista. As peças fundidas no metal, expostas na Blau Projects, conferem ainda mais o caráter “histórico-arqueológico” da série, mas o escultórico é uma recorrência também nas próprias imagens fotográficas.