Fotógrafo e cineasta veterano, o paulistano Jorge Bodanzky, aos 74 anos, ganha, a partir de 18 de junho, uma retrospectiva no Museu da Imagem e do Som (MIS) ao lado do colega britânico Martin Parr, dez anos mais novo e em tudo diferente do brasileiro, a começar pelo humor impiedoso do inglês.

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Bodanzky, ao contrário de Parr, sempre preferiu fotografar pessoas e povos com os quais se identifica – e com uma deferência que escapa ao espírito gozador do colega. Prova desse respeito ao antípoda é a série dos índios Zuruahã que vai exibir na mostra No meio do rio, entre as árvores: A Amazônia de Jorge Bodanzky, à qual pertence a foto abaixo, à direita, com crianças dessa tribo amazônica mantida isolada até os anos 1970. Foi justo nessa época que Bodanzky surgiu para o mundo do cinema com Iracema – Uma Transa Amazônica, marco do filme documental que ficou censurado por seis anos durante a ditadura militar no Brasil.

Bodanzky fez inúmeras viagens ao território amazônico desde então. As imagens dos Zuruahã são de 2005 e encontram-se agora sob a guarda do Instituto Moreira Salles, que adquiriu todo o acervo analógico do autor, incluindo os filmes feitos por ele em Super-8. O cineasta começou sua carreira como repórter fotográfico, trabalhando para a revista Realidade, o extinto Jornal da Tarde e o Estadão.

Com o golpe militar e o fechamento da Universidade de Brasília, em 1965, Bodanzky foi para a Alemanha estudar cinema na Escola de Ulm. Teve a sorte de ser aluno do cineasta alemão Alexander Kluge (Alemanha na Primavera) que continua ativo, aos 84 anos. Outro nome com quem conviveu foi o fotógrafo de cinema e documentarista checo Jan Spáta (1932-2006), que dividia com Bodanzky o interesse por gente à margem da sociedade, ele que viveu a juventude entre manifestações por tarifas de ônibus mais baixas e provocando burgueses escandalizáveis nos Jardins, até encontrar sua turma na Cinemateca Brasileira.

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Ao visitar sua prima Sylvia Orthof em Brasília, dois anos antes do golpe militar, Bodanzky decidiu entrar para a universidade local, onde foi aluno de Amélia Toledo, Athos Bulcão e Paulo Emílio Salles Gomes. Foi com Amélia, hoje com 89 anos, e o falecido Athos Bulcão (1918-2008) que exercitou pela primeira vez seu olhar de fotógrafo. Lá ele descobriu o Brasil e a cultura brasileira, excursionando por cidades satélites como Gama, na época um reduto de miséria e prostituição – e essa experiência seria útil ao filmar Iracema.

O primeiro número da revista Zum, do IMS, estampou algumas fotos dessa época, um documento valioso sobre os primeiros anos da Capital. Depois de seu estágio alemão, Bodanzky começou a operar a câmera para diretores ligados ao Cinema Novo e também para os cineastas da Boca do Lixo paulistana, sendo seu primeiro filme reconhecido como fotógrafo o premiado O Profeta da Fome (1970), de Maurício Capovilla. Ele trabalhou com grandes diretores, de João Batista de Andrade a Hector Babenco. Nunca interrompeu seu trabalho como cinegrafista – um de seus trabalhos mais recentes é o documentário À Margem do Concreto (2005), dirigido por Evaldo Mocarzel.

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Paralelamente continuou rodando documentários como diretor, roteirista e cinegrafista, entre eles um com Jorge Mautner (Navegaramazônia, 2005) e uma revisão histórica da Capital (Brasília, a Utopia Inacabada, 2002). Ele, que fotografou filmes de ficção e tem uma filha diretora (Laís Bodanzky, de Chega de Saudade), não pretende abandonar o gênero. “Ela é diferente, eu sou aventureiro, gosto de viajar, de documentar a vida em outras regiões”, diz, revelando sua maior influência como realizador, o francês Jean Rouch, que revolucionou o cinema nos anos 1960 cruzando o real e o ficcional com raro despojamento. “Eu me identifico com seu modo de olhar, assim como o de Cassavetes e Wim Wenders”.

Bodanzky prepara para breve uma série televisiva de seis capítulos sobre a história da Transamazônica, estrada que inspirou seu Iracema, para a HBO. Não é seu primeiro trabalho para uma produtora estrangeira. O próprio Iracema foi rodado para a ZDF alemã em 1974. “Fiz com o Estúdio Madalena um livro com os fotogramas em Super 8 que deram origem ao Iracema, que espero ver pronto para a mostra no MIS”, revela o fotógrafo, que agora virou personagem da filha: Jorge Mautner vai interpretar Bodanzky em Como Nossos Pais, quarto longa dirigido por Laís Bodanzky, ainda em produção.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.