Ele passeia pela segunda maior ilha do Havaí, Maui, seu segundo lar, sem ser importunado por turistas ou vizinhos. Talvez não saibam que se trata de um superastro da fotografia, revelado muito jovem, aos 17 anos, pelo pintor pop Andy Warhol (1928-1987), que, numa noitada na discoteca Studio 54, nos anos 1980, descobriu David LaChapelle, convidando o garoto a integrar a equipe de sua revista Interview. Três décadas depois, ele lança dois fotolivros pela Taschen, “Lost & Found” e “Good News”, e participa da 12.ª edição da SP-Arte/Foto, exibindo parte dessa produção na Galeria de Babel, graças ao empenho da marchande Jully Fernandes.
LaChapelle fixou residência em Maui há 12 anos, tentando se reinventar após cansar do circuito pop e da moda. Em entrevista exclusiva ao Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo, ele diz que está feliz com a escolha de Maui, o paraíso reconquistado por um fotógrafo cuja assinatura visual é uma surrealista composição boschiana em que religião e sexo ocupam o mesmo espaço. Cores supersaturadas, cenografia felliniana, modelos invariavelmente sem roupa marcam esse universo de inspiração renascentista e fatura pop – e um pouco kitsch, algo entre Jeff Koons e Matthew Barney. Passaram diante de sua câmera estrelas como Madonna e Lady Gaga, além de astros como Michael Jackson. A seguir, a entrevista de La Chapelle.
‘Lost & Found’ e ‘Good News’, recém-lançados, resumem 30 anos de sua carreira e devem ser os últimos. Aos 55, você decidiu não publicar mais?
Lost & Found e Good News são os dois últimos capítulos de uma antologia de cinco volumes, que começou com LaChapelle Land, em 1996. Ambos os livros resumem 30 anos de carreira, mas trazem imagens inéditas. Passei três anos editando os livros com a equipe da Taschen. Por ser um processo tão intenso, posso afirmar que não pretendo fazer outro livro nessa escala. Agora me dedico exclusivamente a fotografar. Não tenho projetos de novos livros, mas, se voltar a publicar, certamente serão menores – e monotemáticos.
Andy Warhol, seu mentor, teria completado 90 anos no mês passado. Você foi o último profissional a fotografá-lo e seguidor fiel de sua sintaxe. Qual foi a principal lição que aprendeu com ele?
Andy disse quando me conheceu: ‘Continue a fazer o que você faz, e do jeito que faz, e talvez isso se transforme em estilo’. Esse conselho foi muito reconfortante, pois nunca fui do tipo de seguir a multidão. Uma coisa curiosa e que pouca gente sabe é que Andy era muito religioso e ia à igreja todos os domingos – e essa foi a razão que me levou a colocar duas Bíblias atrás dele quando fiz seu retrato. Andy tinha uma prática ritual diária que eu sigo e me ajuda a restabelecer o vínculo com algo maior, a natureza. Outra coisa que ajuda muito é a leitura.
Unicórnios, sereias, transgêneros e cores saturadas integram seu universo. É assim que você imagina o paraíso?
O paraíso para mim é Maui saturada na chuva.
Você abjura o pop, mas é associado por razões óbvias ao universo pop. Você se sente uma pessoa especial por ser bipolar ou crê que essa é apenas uma versão ‘saturada’ de LaChapelle?
Sempre que falo com alunos, minha mensagem é de que ouçam sua voz interior, repudiando todo ruído e acreditando em sua força. Quando estou apto a fazer isso por mim, creio que essa mensagem flui naturalmente. Não me comparo a Warhol em termos de cultura pop. Pop significa literalmente algo popular numa cultura e numa determinada época. O que me interessa de fato é estabelecer uma conexão, compartilhar com o espectador minhas obsessões, sentimentos, sonhos e visões.
Seus dois mais recentes livros revelam uma evolução não só formal, mas conceitual. Vivendo numa era conturbada, é seu desejo trazer alguma luz ao mundo por meio de suas imagens?
Minha meta é comunicar, fazer fotos que narrem uma história, que tragam uma mensagem clara. Agora, mais que nunca, quero que essa mensagem seja positiva, porque há muita ironia e negatividade em nosso mundo.
Outros artistas além de você usaram igualmente o corpo humano para enviar essa mensagem, como Pasolini, que também usou a imagem de Jesus no cinema, mostrando o Messias de um modo radicalmente diferente dos fundamentalistas.
O corpo é uma bonita morada da alma – e é isso que celebro em minhas fotografias. Quanto a Jesus, vejo-o primordialmente como um espírito de compaixão e graça – então, tento seguir esses princípios quando estou trabalhando, afastando as trevas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.