Quentin Tarantino reabriu, pela via da aventura (fantasia?) – e com as ferramentas do spaghetti western -, as feridas da escravidão na consciência norte-americana. Ganhou dois Oscars, roteiro original e ator coadjuvante (Christoph Waltz), por Django Livre. Existem agora dois filmes que também abordam o período e estão pavimentando sua candidatura para o próximo Oscar. O Mordomo da Casa Branca estreou na sexta, 1º. 12 Years a Slave fica para mais adiante. O Mordomo tem sido descartado como ‘novelão’ por parte da crítica brasileira. Talvez o tema não bata aqui da mesma forma que nos EUA, mas o repórter testemunhou algo raro. Em Nova York e Los Angeles, as plateias, espontaneamente, aplaudiram os longas de Lee Daniels e Steve McQueen no fim das sessões. E não eram sessões de festivais – os filmes estão no circuito comercial.
No Rio, Lee Daniels disse ao repórter algo que talvez pareça inusitado – Precious, que lhe deu projeção, é seu pior filme. O preferido é Paperboy/Obsessão e O Mordomo se situa no meio, ‘quase tão bom’, ele diz. Nos EUA, o filme chama-se O Mordomo de Lee Daniels, o que pode parecer excessivo – com exceção de Federico Fellini, não é frequente que autores coloquem os nomes nos próprios filmes. Daniels jura que não teve nada a ver com isso. Foi decisão dos executivos do estúdio, já que havia uma questão de direitos impedindo que ele usasse só ‘O Mordomo’.
O filme começa numa antessala da Casa Branca, com o velho Forest Whitaker de volta ao cenário de boa parte de sua vida. Há um corte e começa o flash-back, que o lança no passado distante, quando ele, garoto numa plantação de algodão, viu a mãe escrava ser estuprada e o pai ser morto pelo sinhozinho branco. Por piedade, ou consciência do mal praticado por sua descendência, Vanessa Redgrave – tinha de ser ela – acolhe o menino na casa senhorial e o ensina a ‘servir’. É o que ele fará a vida toda, como mordomo de sucessivos presidentes na Casa Branca.
É interessante acompanhar grandes momentos da história dos EUA no século 20 desse outro ângulo – da cozinha da Casa Branca. O assassinato de John Kennedy, o escândalo de Watergate. Mas as questões do filme são outras. Por que bebe a mulher do mordomo? Ela certamente tem uma vida confortável de classe média, e isso só podia ocorrer em Washington D.C., numa época em que a segregação ainda era praticada no Deep South, o Sul Profundo. Talvez exista aí um desgosto pela (eterna) submissão do marido, mas essa mulher resiste, à sua forma. Expulsa a ativista negra, estilo Angela Davis, companheira do filho e que quer humilhar o mordomo. Expulsa o ‘amigo’ que avança e quer fazer dela sua amante. Não é um ‘novelão’, mas um melodrama, nos moldes do melhor Douglas Sirk, a versão negra de Imitação da Vida, o clássico sirkiano de 1959.
O MORDOMO DA CASA BRANCA – Título original: The Butler. Direção: Lee Daniels. Gênero: Drama (EUA/2013, 132 min.). Classificação: 12 anos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.