Já era difícil caminhar pelo Centro Cultural Rio Verde e o relógio não havia chegado às 18h. Rostos conhecidos, gente sorridente. Havia um clima de familiaridade. De se estar em casa. A Casa do Mancha, importante ponto de encontro musical da cena independente paulistana, cresceu. Expandiu-se até aquela construção localizada no mesmo bairro, a Vila Madalena, com uma capacidade muito superior às máximas 80 cabeças permitidas na casa onde morava, até dois anos atrás, o produtor e músico Mancha Leonel.
Desta vez, os shows não precisavam acontecer na sala transformada em estúdio transformada em palco. Foram montados três palcos para receber as dez bandas de uma escalação coerente, iniciada com Maurício Pereira, mestre da música paulistana há décadas, até Boogarins, banda goiana que surfa, atualmente, no hype mais justificado da imprensa brasileira e da cena alternativa.
São oito anos de Casa do Mancha, endereço cujo início despretensioso se mostrou ser, na tarde e noite do último domingo, 4, um ponto de encontro para os amantes de boa música. De 2007, quando o portão metálico abriu-se pela primeira vez, para um show da banda Polara, até 2015, Mancha foi capaz de movimentar uma cena. Artistas internacionais como TV on The Radio e Sebadoh, por exemplo, passaram por ali depois das apresentações pelas quais foram pagos para fazer. Bandas nacionais, de fora de São Paulo, sabem que uma boa porta de entrada para a cidade é pelo palco apertadinho montado na Vila Madalena.
O grande acerto, no fim das contas, é que ali, tudo gira em torno da música. Não tão popular e gigantesco como um Rock in Rio e suas 595 mil pessoas presentes espalhadas em sete dias de evento, por exemplo. É de nicho, sem dúvida. Foram 600 pessoas presentes no evento, segundo a organização. Foi uma grande festa para celebrar a qualidade de bandas que têm potencial para saírem dessa bolha e caírem para o mainstream – o que quer que signifique isso hoje em dia.
O impacto de se caminhar por um Rock in Rio e, uma semana depois, pelo Fora da Casinha, foi estonteante. Não havia estantes de marcas patrocinadoras entregando cacarecos ou disputando a atenção dos presentes com luzes e música alta. Ninguém esticava-se no chão, completamente desinteressado e alheio ao que acontecia no palco. A música não era uma trilha sonora para a experiência. Ela era a experiência.
O Fora da Casinha é a resposta às críticas de que o rock nacional não existe ou desapareceu. Ele pode estar escondido, distante das grandes massas, mas mais por um movimento cíclico da música, de ondas e modismos, do que pela falta de qualidade de fato.
Maurício Pereira, com seus versos falados e suas invencionices líricas, abriu os trabalhos do festival no coreto, lugar que só receberia mais um show, no fim de tarde, d’O Terno, banda liderada por Tim Bernardes, filho de Pereira. A presença dele ali é quase como uma homenagem da curadoria do Fora da Casinha ao responsável por criar Trovoa, canção que transpira amor paulistano como poucas – anos antes de Criolo estourar ao cravar que “não existe amor em SP”.
Stela Campos iniciou as atividades na Sala Lago, o menor dos três palcos montados ali no Centro Cultural Rio Verde. Uma salinha intimista na qual ela teve a oportunidade de destilar suas distorções. Calor e som alto como um show independente precisa – e deve – ser.
A sequência embarca ainda mais na psicodelia, com um toque bem tropical d’O Terno. Já era difícil caminhar pela área central do espaço, onde fica o coreto, e o trio se mostrou à vontade para experimentar em suas canções mais anti-pop. “A gente se sente em casa quando tocamos no Mancha. Vamos tocar aqui aquelas que as pessoas costumam sair para comprar cerveja durante o show”, brincou Tim. Veio, por exemplo, Desaparecido, faixa que encerra o segundo disco do trio. 66, hit com o qual eles despontaram, em 2012, também esteve presente, mas já com uma roupagem adulta e moderna.
Carne Doce, na Sala Lago, sob o comando do casal Macloys Aquino (guitarra) e Salma Jô (voz), é efervescente ao vivo. Quente e poderoso – até mais do que no disco de estreia do ano passado. Mas era a psicodelia que comandaria o festival. Com isso, Supercordas, precursora do movimento, lá no início dos anos 2000, e Boogarins, em um show cada vez mais poderoso, borrifaram LSD e alucinógenos no teatro do Centro Cultural Rio Verde. Existe vida na cena de rock paulistana. E São Paulo, que precisava respirar um festival de música independente, inspirou um ar puríssimo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.