Na capa, na entrevista que deu ao Estado, Guilherme Fontes esclarece que comprou os direitos e utiliza as informações do livro de Fernando Morais, mas faz a ressalva: “O Chatô dele é o real. O meu é fictício”. Marco Ricca, que faz o papel, esclarece que foi maravilhoso entrar na onda do diretor. “O filme dele, ao contrário de outras biografias, assume que se trata de uma interpretação. Não é o Chatô, não é o Getúlio, mas a forma como o Guilherme os vê.” Daí a falta de verossimilhança física.

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Paulo Betti não tem nada a ver com a iconografia consagrada de Getúlio. “E lá eu ia querer um bom velhinho?”, pergunta o diretor. Ele admite que construiu seu protagonista no corpo de Marco Ricca. “Dirigi nos gestos, na voz, no figurino. Moldei nele o meu Chatô.”

E que Chatô é esse? Um czar da imprensa, um grande manipulador.

“Essa coisa de imprensa isenta não existe”, reflete Guilherme Fontes. “Existem evidências que terminam por se impor, mas o Chatô era um controlador que não queria contar a história do Brasil. Queria fazê-la.” No livro, o personagem é um pouco o Cidadão Kane de Orson Welles. Cidadão Chateaubriand. O livro é narrado em flash-backs, tem o seu Rosebud – o enigma que movimenta o quebra cabeças que Welles armou com o roteirista Herman Mankiewicz.

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Francis Ford Coppola, que seria parceiro em Chatô e chegou a participar da leitura pública do primeiro tratamento do roteiro, viu uma versão antiga e deu um conselho a Fontes. “Cuidado com as passagens de tempo. Ocupe-se bem delas.” O diretor preocupou-se tanto que surgiu esse tempo particular de seu filme – atemporal. O eixo dramático constrói-se em torno de um suposto ‘julgamento do século’, quando Chatô participa de um programa de TV que dá voz a figuras que foram decisivas em sua vida. Ex-mulheres, ex-colaboradores e a mítica ‘Vivi’ (leia na capa). Para interpretar Chatô, ou seja, para captar a totalidade do homem e do mito, Fontes percebeu que precisava de muita cor, da cenografia, do Abaeté, do Brasil. Submeteu Cidadão Kane a uma (re)leitura antropofágica e fez, como lhe disse Cacá Diegues, “o último grande filme tropicalista”.

Da mesma forma, com medo de processos – o filme é anterior à lei das biografias -, Fontes e seus roteiristas, entre eles João Emanuel Carneiro (autor da atual novela das 9, A Regra do Jogo), condensaram personagens. “Andréa Beltrão é o maior amor dele, a amante dos poderosos.” Vivi – é seu nome – divide-se entre Chatô e Getúlio. Arma para Chatô e favorece Getúlio na Revolução de 30, que desemboca na ditadura do Estado Novo. Marco Ricca intervém.

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“Andrea é maravilhosa. Já trabalhei com ela, inclusive num projeto de Maurício Farias (marido da atriz) que foi arquivado. Nunca vi isso no cinema. Ela mata o Chatô com seu sexo, na cama!”

E Fontes prossegue: “Leandra Leal faz a mulher argentina dele, que transformei em cantora para retratar o Brasil de Chatô, os Diários e Emissoras Associados. Gabriel Braga Nunes faz Rosemberg, o funcionário desprezado que vira concorrente e inimigo de Chatô.

Tem horas que é Samuel (Wainer) e outras de (Carlos) Lacerda.”

O filme era muito mais excessivo, informa o diretor. “Quando ele chega à emissora, antes de começar o julgamento do século, Chatô ia abrindo portas e a gente via a Miss Brasil, a Rainha do Rádio, todo aquele Brasil que ele ajudou a formatar e modernizar. Mas não cheguei a filmar isso. Na verdade, desperdicei muito pouco. Podia ter feito um filme de 2h20, mas preferi ficar em 1h45, para não aborrecer o espectador. Detesto filme que se estende inutilmente. Filmei o essencial e esse essencial está no filme que quis fazer.”

Ricca comemora

“O filme existe, não é lenda, como muita gente achou que ia virar. Espero que esse cara (Guilherme Fontes) possa fazer outros filmes, não porque é bonzinho, mas porque é talentoso.” E ele prossegue: “Detesto isso aqui (a entrevista foi feita no cinema, depois que o público havia entrado para a pré-estreia de ‘Chatô’ na terça-feira e os fotógrafos que correm atrás de celebridades haviam ido embora). “Gosto é dos processos, da camaradagem, da criação. No começo da produção, fui à produtora do Guilherme e era uma festa. Coppola, coisa e tal. Voltei depois e já era na fase difícil. O clima era lúgubre, a casa vazia. Todo esse processo tem sido longo. Ando fazendo exercícios mentais para me lembrar de tudo. É muita gente querendo reavivar a história, e tem gente que já chega de má-fé, querendo incriminar o Guilherme. Somos artistas. Ninguém desviou dinheiro. E, sim, eu também acredito que fizemos um belo filme. Estou muito feliz.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.