Embora para muitas pessoas a palavra Folclore tenha sentido pejorativo, para a Carta do Folclore Brasileiro (1995) tem o mesmo significado de cultura popular, pois “é o conjunto das criações culturais de uma comunidade, baseado nas suas tradições expressas individual e coletivamente, representativo de sua identidade social”. Folclore ou cultura popular, portanto, envolve tantas culturas quantos são os grupos que as produzem.
Romão Costa, mestre do fandango, por exemplo, conta como se expressava a cultura dos mutirões na Ilha dos Valadares no litoral paranaense: “Antigamente na ilha dos Valadares se fazia muita lavoura. Os meses de junho ou julho era época de plantar. Os sitiantes levavam um mês roçando, depois limpavam tudo e faziam convite para o pessoal fazer mutirão. Quando era dia de sábado, ia todo mundo lá, de 30 a 40 pessoas. Os homens cavavam a terra e as mulheres plantavam. Ao meio-dia, faziam carne-seca com feijão e arroz. Almoçavam, descansavam um pouquinho e iam pra roça terminar. O dono da roça trazia uma garrafa de licor feito de casca de laranja com cravo, bem caprichado. À tarde, quem morava longe já tinha trazido roupa e quem morava perto ia em casa tomar banho. Às 18 horas começavam a `temperar’ a viola, batucar e dali a pouco enchia de gente. Aquele que não ajudava no mutirão não entrava. Na outra semana o dono era outro. Naquele tempo as ferramentas eram os braços dos camaradas junto com a foice e a enxada, não tinha máquinas”.
O mestre Romão conta que no passado os fandangueiros faziam “gambá”. Na época da colheita, os pés de arroz eram cortados próximos do chão e guardados num salão. Na época oportuna, organizava-se o fandango para que os tamancos descascassem o arroz. Os grãos caiam direto numa lona própria, porque havia um vão entre as tábuas para o ressoar dos tamancos.” Ao terminar, o dono da casa comprava cachaça e fazia licor. E aí o “gambá” virava fandango.
A prática do fandango estava especialmente presente nos quatro dias de entrudo que precediam o carnaval. Conta mestre Romão: “Na semana antes do entrudo fazia-se a coleta do dinheiro para comprar o boi na colônia, aí quando estava sem couro e preparado, as mulheres separavam a carne que era para o barreado, e a outra para secar e colocar em cima do fogo. A carne ia para o fogo no sábado. No domingo ao meio-dia se atirava foguete. A turma já sabia. Dançava e comia barreado por quatro noites. Quando a pessoa chegava em casa levava uma semana dormindo. Na quarta-feira à meia-noite, o dono da casa afrouxava as cordas da viola, punha no saco de boca pra parede. Ele ia pegar na viola só no sábado depois do aleluia e afinava para outro fandango”. A folia terminava a zero hora de quarta-feira, pois quem dançar na quaresma “cria rabo”, isto é, vira diabo.
Experiências de fandango. Mestre Romão diz: “Quando danço, lembro de meus pais; todos da minha família são fandangueiros. Eu me criei na roça com minhas tias, porque perdi minha mãe com dois anos. Meu orgulho é ser parnanguaro e fandangueiro. Acho que tenho o fandango no sangue. Confio nas gerações futuras porque recebemos apoio da Secretaria de Cultura. O fandango é a cultura mais rica do Paraná. Só não toco viola, conheço todas as danças e ensino tanto às mulheres quanto aos homens”.
Para o rabequista Pedro Pereira, que aprendeu a tocar com 12 anos, “tocar este instrumento é uma experiência muito boa.” Para o tocador de viola Milton Pinheiro, “o fandango é o prazer de participar do grupo do Romão Costa.” Valdomiro D. Miranda afirma que, “tocar adufo é viver uma boa experiência, seguindo os avós e o pai mestre Miranda”.
A Carta do Folclore Brasileiro estimula que o folclore ou cultura popular seja incentivado (a) em todas as escolas de ensino fundamental, médio e superior, em todas as comunidades e grupos, conservatórios e academias. Que se realizem levantamentos dos cancioneiros folclóricos, das danças, dos brinquedos e das brincadeiras infantis. Afinal, à medida que o processo global avança, cresce a necessidade da valorização do que é local, que ressurge como identidade para que as pessoas se reconheçam como sujeitos com poder de influenciar a história.
Zélia Maria Bonamigo
é jornalista, especialista em Mídia e Despertar da Consciência Crítica. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.E-mail: zeliabonamigo@uol.com.br